terça-feira, 10 de outubro de 2017

Memórias heróicas


O ano era, eu acho, 1946, o local, tenho certeza absoluta, era a casa da Rua Augusta 291, em Sampa, onde nasci e vivi meus primeiros 17 anos de vida.
Era uma casa enorme, tanto que era a residência dos Chammas, ou seja, meu avô paterno (minha avó já era falecida), minha Tia Neide e seus filhos Sonia Maria e Roberto, meu pai, minha mãe, eu e meu irmão e, ainda, minha tia Zaíra (Zazá para os íntimos) enquanto solteira.
Tinha ela três quartos enormes e mais um pequeno que tinha sido destinado à minha tia Zazá, uma vez que não tínhamos empregados. A distribuição dos quartos era através de um pequeno corredor de entrada, onde se localizava o quarto da frente e, depois, outro corredor que ocupava a totalidade da demais dependências da habitação, assim distribuídas: primeiro quarto para o Sr. Alfredo, meu pai, sua esposa e filhos; segundo quarto para a Sra. Neide e seus filhos; e a enorme sala de jantar. Depois, em continuidade do corredor, vinha o pequeno quarto da Tia Zazá, o banheiro e a cozinha.
Na cozinha, na mesma direção do corredor abria-se uma porta de madeira que permitia o acesso a uma escadaria que levava ao gigantesco quintal onde estava localizado o grande tanque de lavar roupas, bem abaixo do muro de contenção da escada, no mesmo sentido do já tão comentado corredor.
Posso, então, afirmar que era um grande imóvel ligado por um extenso corredor.
Desculpem os leitores, mas essa descrição detalhada se fez necessária para permitir a compreensão dos fatos que relatarei a seguir.
Conforme já mencionei no início deste relato, o ano era de 1946 e este rabiscador tinha ou estava prestes a ter 6 aninhos de vida. Era eu um aficionado por revistas de quadrinhos e vivia, quando não aplicando uma mirabolante aventura, lendo as estórias de Mandrake, Flecha Dourada, Super-Homem, Super-Boy, Capitão Marvel, Batman e Robin, Príncipe Namor, Homem Tocha, Homem de Borracha e outros que tais e sonhando ser uma dessas figuras imaginarias.
Bem, prefácio descritivo estruturado passemos ao relato memorial.
Um dia, fechado em meu quarto, terminei de ler uma estória do Capitão Marvel. Era uma aventura eletrizante e me imaginei ser o próprio herói. Olhei em volta e vi o roupão que meu pai usava. De imediato alcancei a peça de roupa e a dobrei de forma que pudesse ficar com a aparecia de uma capa. Coloquei a pretensa capa nos ombros, amarrei-a com seu próprio cinto ao meu pescoço e estava já encarnado na figura imaginada.
Abri a porta do quarto com o maior cuidado e espreitei o movimento da casa. Estava tudo muito calmo, o corredor estava desimpedido, olhei mais atentamente para o fim do corredor e me assegurei que a porta da cozinha estava bem aberta e, decididamente me lancei na aventura planejada.
Corri pelo longo corredor no intuito de pegar o máximo de velocidade e impulso e ao atravessar a porta da cozinha me lancei no espaço na certeza de que eu se não saísse voando, pelo menos cairia no tanque que estava, sempre com água ou roupas molhadas.
De fato, não voei. Cai no grande tanque de cimento onde minha adorada mãe estava a lavar umas roupas.
O susto dela, inicialmente, foi enorme, depois, passado o impacto, o susto se transformou em violência, e levei uma tremenda surra de toalhas encharcadas.
Depois, então, tive de voar com ela até a farmácia Flavius para fazer uma serie de curativos nas “medalhas” advindas do meu voo, da minha aterrissagem e da surra merecida.
Hoje fico a pensar, como podem viver as crianças atuais sem essas emoções infantís? Que coisa chata deve ser a vida deles. 



Por Miguel Chammas

5 comentários:

Memórias de Sampa disse...

Olá, Miguel!

Mas que traquinagem perigosa, heim!
Porém, confesso que já tive vontade de voar. Aliás, o meu maior desejo, até hoje, é poder voar sozinha, como se eu tivesse asas. Enquanto não psso, voo na minha imaginação.
Muita paz!

Sonia Astrauskas

Nelinho disse...

Ola Miguel, bom dia, as crianças de hoje não tem mais esse prazer, hoje ficam grudadas no tal de celular e desconhecem outro tipo de divertimento, bons tempos aqueles que nós vivemos e que não voltam mais, boa lembrança caro amigo.

Wilson Colocero disse...

Divertida (e perigosa) aventura! O que a imaginação (e a ingenuidade) infantil nos proporcionou é atualmente inacreditável para a criançada! Mais uma história com o doce gosto das queijadinhas daquele tempo.

Teresa disse...

Sempre que ouvia algum menino contando suas aventuras, sentia uma ponta de inveja. É essa sua, apesar do "desastre final", com certeza, gostaria de ter protagonizado, mas eu era muito disciplinada e sempre ouvia: "menina nada faz isso". E, de frustração em frustração, cheguei ate aqui.

Luiz Saidenberg disse...

Bela historia, Miguel.
Por causa de desastres como este- poderia ter sido muito maior, é que muitos pais proibiam "gibis" aos filhos. Para mim, foi o contrário; meu pai, toda semana trazia os últimos lançamentos das editoras. Mas eu, que preferia desenhar, jamais cometi uma aventura doida como essa.
Loucuras, só na idade adulta.