sábado, 8 de novembro de 2014


imagens: Ricardo (garçon do "O Gato Que Ri) e eu no local


Aos poucos minha vida vai voltando ao normal, depois da cirurgia no olho esquerdo, por conta de um descolamento de retina, que eu jamais poderia imaginar ter um coisa destas, difícil acontecer com pessoas na minha idade. Embora eu não seja mais uma mocinha, mas ainda não tenho idade para certas patologias.
Segundo o retinólogo e sua equipe que me atenderam, estou me recuperando super bem e já posso fazer algumas atividades visuais, desde que não tenham impacto, solavanco, encontrões, etc...
Nesta sexta-feira, 07 de novembro de 2014, estive em minha amada Sampa, para resolver algumas pendências e rever alguns lugares, além de me encontrar com meu filhão amado.
Hora do almoço e atravessávamos a Rua 7 de abril, quando veio a ideia de almoçar no restaurante "O Gato Que Ri, no Largo do Arouche, 37, onde fomos atendidos por uma garçom muito simpático e solícito, o Ricardo. Gente boa demais.
Mesmo enxergando mal o Menu, aceitamos a indicação do Ricardo, bacalhau ao forno, que estava show de bola e como sobremesa um petit gateau sensacional, além do cafezinho no capricho.
Continuamos o tour e o tempo mostrava-se hostil, quando entramos no Paibar para um suco, pois estava muito calor. Desabou o céu sobre Sampa numa chuva muito forte e permanecemos no Paribar até abrandar. Dali fomos ao encontro de meu filho para voltarmos juntos para casa.
Um dia especial e momentos especiais. Valeu!
Muita paz! 




terça-feira, 1 de julho de 2014

Com o olhar da pomba e do urubu




O texto abaixo també foi sonorizado na Rádio CBNhttps://soundcloud.com/miltonjung/conte-sua-histo-ria-de-s-o-9

Consta que Deus, cansado de ouvir reclamações sobre a Terra, mandou que o urubu sobrevoasse tudo e retornasse dizendo o que viu. Ele voltou contando das guerras, carniças (delícias), poluição, violência, catástrofes e vícios, um inferno enfim. 

Desolado, Deus quis ouvir uma segunda opinião. Pediu então que a pomba fizesse o mesmo. Aí ela retornou dizendo do sol clareando a terra e o orvalho das plantas. Dos passarinhos arrulhando nas árvores após um dia de chuva. Das flores com seus diversos matizes sob o céu de azul diáfano. Das cachoeiras que inundavam a atmosfera com sua música maviosa. De crianças a brincar e a sonhar. De velhos nas praças a ver a vida passar com graça a dar milho aos pombos. 

Deus então deu um logo suspiro e declarou: é preciso olhar o mundo com os olhos da pomba.


Esse é o desafio do paulistano: olhar esta cidade com os olhos da pomba. Ver a beleza que existe na diversidade, na concentração de talentos, nas oportunidades de desenvolvimento e mudança. Beleza no seu centro cultural, nas atividades criativas. Na poesia concreta das suas esquinas, como na canção.



Cai, levanta, cai levanta. Vocês sabem do que estou falando. Como na teoria do evolucionismo, os mais aptos sobreviverão. Uns chegam de longe para se tratar e vão ficando. Outros chegam munidos de muita vontade de trabalhar, transformar o pouco em muito. Tenacidade de aço e nervos de concreto faz do cidadão paulistano um ser singular. Caçadores de beleza na cidade dos migrantes e imigrantes. Diz-se que quem vive aqui, está apto a viver em qualquer lugar. Uma metrópole que contempla tanto o olhar do urubu como o olhar da pomba. A escolha é sua.

São Paulo é um pólo de atração. Atrai os que ousam sair da zona de conforto e mudar, transformar, garimpar ouro em merda. Cidade em constante mutação a provocar mudanças em seus atores. Quantos desses 11 milhões de habitantes, sem contar os 10 milhões no entorno, aqui chegaram apenas com a roupa do corpo, coração acelerado e, um sonho na cabeça povoada de ilusões.  Educaram seus filhos, trabalharam e conquistaram seu espaço. Quem não se envolve não desenvolve.






Por Suely Aparecida Schraner


sábado, 21 de junho de 2014

Copa 1950, ninhas lembranças


imagem: Seleção da Espanha, minutos antes do jogo contra o Uruguai na Copa de 1950
Escalação: Ramallets, Gabriel Alonso, Parra, Gonzalvo II, Gonzalvo III, Puchades, Basora, Igoa, Zarra, Molowny, Gaínza (Cap.)

Em 1950 meu tio Mané me levou ao Pacaembu para assistir Uruguai vs Espanha; era um domingo que começou com tempo fechado mas logo o sol apareceu, aquele solzinho de inverno, até que um pouco frio, um sol  que não aquecia. Chegamos ao Pacaembu era meio dia mais ou menos e ficamos esperando abrir as bilheterias, acho que abriu por volta de 13:30h. havia uma fila normal, sem empurra-empurra, claro que cheia de hermanos da Banda Oriental e señores de Castilla la Vieja, Aragon, Galicia... e muitos brasileiros.
Prá ser sincero, para nós, aquele era mais um torneio com a Seleção do Brasil e seleções estrangeiras, nada  muito importante e, além do mais, em relação à Seleção Brasileira, havia o problema do bairrismo exacerbado com a escolha dos jogadores pendendo para o lado do Rio de Janeiro, com o time tendo por base o Vasco da Gama, o expresso da vitória. Me lembro do Antonio Cordeiro da radio Nacional do Rio justificar o encariocamento da Seleção com o seguinte argumento: "Ninguém conhece os jogadores de São Paulo, de Minas,  do Rio Grande..." Aquela foi uma época em que o Brasil treinava contra o Torres Homem, um time de várzea de Niterói presidido por um diretor da CBD; creio que deveria haver uma graninha por fora para "pagar despesas, etc, etc...(cala-te boca!)".
Uruguai e Espanha ficaram no 2 a 2 num jogo horrível, se eu estou bem lembrado; o Brasil jogou contra a Suiça, também no Pacaembu, com um time considerado reserva, ou melhor, com um time montado nas coxas (perdão pelo calão!) e também empatou por 2 a 2...
No Rio, após a goleada contra a Espanha, o time saiu do Hotel das Laranjeiras, um local sossegado, na floresta, e desceu para São Januário, dependências do Vasco da Gama...
Era época de eleições, inclusive eleições presidenciais e políticos do Brasil todo vieram para o Rio para serem fotografados com os jogadores; Flávio Costa, o Alicate, era o nosso técnico,  candidato à vereança do Distrito Federal e articulador das entrevistas, fotos e filmagens com os políticos. Zizinho, talvez na última entrevista em profundidade dada por ele para um órgão de imprensa, no caso a para a ESPN (tá no youtube) afirmou que em 3 dias, se ele dormiu 20 horas foi muito. A revista "O Cruzeiro" levou os jogadores, na madrugada do dia do jogo contra o Uruguai, para um estúdio para serem fotografados uniformizados e com a faixa no peito... e deu no que deu! Bigode não conseguiu marcar o Gighia, faltou-lhe pique, velocidade e, de repente, lá veio a bomba, chute cruzado, que o sonolento Barbosa, mesmo estando bem acordado, não conseguiria defender. 
Fala-se muito de 1950, mas também em 1954 a desorganização comeu solta, jogadores preferidos por Zezé Moreira como titulares e Julinho, Cláudio, Baltazar, Djalma Santos, entre outros, ou no banco ou não sendo convocados... A Copa terminou tristemente para nós com a "Comissão Técnica" partindo inteira para cima do  "referee", Zezé Moreira com uma chuteira na mão, como um malandro do morro e seu chinelo Charlot, avançando contra a polícia da Suiça; Paulo Planet Buarque fotografado e filmado distribuindo rabos de arraia no gramado... vergonha!
Eu me abstenho de escrever em datas especiais, efemérides, dia das Mães, dia dos Pais, dia das Sogras e outros dias, inclusive Natal, Ano Novo e outros, mas estão escrevendo tanto sobre essa Copa de 2014 e sobre 1950 que resolvi deixar minha postura de molusco e relembrar certos fatos...
Talvez eu ainda volte ao assunto, sei lá!




Por Joaquim Ignacio de Souza Netto

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Memórias Copeiras


imagem: Seleção Brasileira que sofreu a derrota contra o Uruguai em 1950


Estamos em clima de Copa do Mundo, mesmo não sentindo nas ruas a mesma vibração de outros tempos eu sinto a animação nos transeuntes, nos vizinhos e, por que não dizer, nos amigos.
É neste clima de expectativa que sento em frente ao meu computador e sinto vontade de escrever sobre as copas que vivi nestes 74 anos de vida.
As lembranças não são difíceis de virem à tona, apenas me cabe o trabalho de selecionar algumas e escrever sobre elas. Teclado pronto decido escrever sobre a copa que, mesmo presente, eu não assisti. Foi uma escolha deliberadamente cômoda, pois as demais copas geraram muita aflição, desespero, alegria, e ser-me-ia bastante abreviá-las para caber num só texto. Então, vamos lá, Copa do Mundo de 1950.
Eu, moleque ainda, ao contrário dos garotos de hoje, não tinha noção da grandiosidade desse evento.
Ouvia comentários dos meus pais, dos meus tios, mas preferia, lógico, o meu mundo de brincadeiras no quintal de casa em que vivia, na Rua Augusta, 291.
Era 16 de julho, depois do almoço ajantarado de todos os domingos, eu o Carlinhos meu irmão, e o Roberto meu primo, fomos para nosso mundo de fantasias, o quintal. Minha prima, como de costume, foi se entreter com os diversos trapos e roupas de minha tia e de minha mãe com que normalmente brincava. Minha mãe, minha tia Neide, minha Tia Elisa, minha tia Zaira, meu avô Gidi e meu pai, sentaram-se em torno da mesa da cozinha e, entre conversas diversas e um cafezinho coado na hora, começaram a ouvir o rádio e a transmissão do jogo entre Brasil e Uruguai.
Meu pai, com aquele jeito exagerado de sampaulino fanático e ferrenho, alardeava que o campeonato já era nosso, tendo a concordância de todos os demais.
Nos, brincávamos e apenas por curiosidade, de quando em vez, esticávamos os olhares para o plano mais alto onde se localizava a cozinha para ver o movimento, eram caretas angustiadas, murros no ar desferidos por meu pai, algumas palavras de sentido mais imoral, nada que realmente nos fizessem desistir de nossas brincadeiras.
Em certo nos “ouvimos” um silêncio sepulcral, intrigado corri até a cozinha e não vi mais meu pai e meu avô, as mulheres daquele diminuto auditório choravam copiosamente, minha mãe me abraçou e disse entre soluçõs e lágrimas: -Miguelzinho o Brasil perdeu, o Brasil perdeu...
Sem muito entender, mas querendo participar do destempero, busquei me emocionar e também comecei a chorar. Foi uma choradeira geral.
Só não vi, ou melhor, não lembro se vi meu pai e meu avô chorando (naqueles tempos homem não chorava).
Estas são as minhas memórias daquele campeonato fatídico.
Vamos torcer para que neste ano de 2014, quando novamente temos a realização de uma Copa do Mundo no Brasil, mesmo conscientes de todas as mazelas e aberrações ocorridas, o povo brasileiro tenha o prazer de comemorar um final mais feliz do que em 1950.



Por Miguel Chammas

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Eu só estava assistindo




Era o ano de 1961, meu irmão Emmanuel Ferreira Leite em casa era conhecido pelo apelido de Nenê. Morávamos no Cine Clipper da Freguesia do Ó. Éramos três irmãos: Nenê com seis anos de idade, Isabel Virginia com dois anos, e eu Luiz, apesar de ser menor do que Nenê em estatura, tinha já meus sete anos. Na foto acima estamos, da direita para a esquerda, Nenê, meu pai e eu. A foto foi tomada diante de uma das portas de saída lateral do Cine Clipper que dava acesso para a Rua Bonifácio Cubas, a antiga rua da feira. A feira atualmente acontece aos sábados numa praça próxima à Escola Infantil Manuel Preto.
Nosso local de habitação era um pavimento que existia sobre o banheiro masculino cujo acesso era através de um pequenino hall. A porta que levava para onde morávamos dava para o interior da sala de expectadores, ao lado da porta do banheiro dos homens. O acesso para o pavimento sobre o banheiro masculino era feito por uma escada feita de madeira cujos degraus eram muito altos para mim e para meu irmão. Não havia cômodos e os ambientes eram distribuídos conforme o espaço permitia. Nossos pais eram zeladores do cinema. Meu pai, Manoel era também cobrador de ônibus e, durante algum tempo, também se incumbiu da da projeção dos filmes.
Aquela época era um sonho para mim. Moramos no cine Clipper entre os anos de 1958 e 1962. Era os tempos áureos do famoso Mazzaropi, do inesquecível Cantinflas, de Roy Rogers, dos famosos filmes de caubói americano, do cão Rin Tin Tin, do Vigilante Rodoviário e muitos outros. Como éramos pequeninos só podíamos assistir filmes nas disputadas matinês de domingo. Às vezes, aos sábados ocorriam alguns shows matinais com artistas populares, oportunidade onde chegamos a assistir “ao vivo” artistas como o sambista Germano Matias, Moacir Franco se apresentando como mendigo cantando “Ei você aí, me dá um dinheiro aí, me dá um dinheiro aí!”, e ainda um dos nossos primeiros roqueiros: Carlos Gonzaga cantando “Diana”.
Voltando ao início do relato, era o ano de 1961 e, naquela época ocorria um evento que era um show carnavalesco onde se apresentavam algumas dançarinas mulatas em trajes mínimos, conhecidas como cabrochas. Não precisa dizer que a idade mínima para assistir a esses shows era de 21 anos! Eis que um grupo desses foi se apresentar no Cine Clipper! Maior alvoroço, coisa proibida para menores de 21 na cabeça da gente deveria ser algo inimaginável. Chegou a noite da primeira apresentação, minha mãe preocupada com os últimos detalhes de limpeza, meu pai atarantado com os detalhes de acompanhamento de instalação elétrica, som e outras coisas. Após terminarem suas tarefas eles subiram rapidamente para tomarem banho e se trocarem para assistir ao show que já estava começando. Em meio aos preparativos se deram conta que meu irmão Nenê não estava no aposento onde residíamos! Rapidamente desceram a escada e saíram para a plateia para começarem a procurar o filho perdido. E não é que deram de cara com o cara de pau que estava comodamente sentado em meio aos expectadores? Rapidamente retiraram Nenê do local e subiram a escada já dando um pito daqueles no meu irmão! E ele na maior cara de pau: “Ué .... eu só estava assistindo!”
Esse fato marcou a vida de nossa família, até mesmo em virtude disso ter acontecido numa época em que o então conhecido Juizado de Menores funcionava com muito rigor e a estória teria sido outra caso um dos comissários tivessem flagrado a escapada do Nenê.


Por Luiz Carlos Ferreira Leite

terça-feira, 10 de junho de 2014

Primeiras transmissões da Copa do Mundo



imagem: Gagliano Neto

Gagliano Neto!
Locutor esportivo, jornalista, nasceu em Recife, Pernambuco, em 24 de dezembro de 1911. Seu nome Leonardo Gagliano Neto.


Muito jovem mudou-se para São Paulo e mais tarde para o Rio de Janeiro onde em março de 1935 transmitiu pela primeira vez uma partida de futebol! Palestra Itália e Botafogo pela Rádio Cruzeiro do Sul, RJ.
 
Sua história se confunde com a história do rádio!

Trabalhou nas melhores da época como por exemplo Rádio Mayrink Veiga, Nacional,Continental,Tupi, Globo. foi ele que em 1944 fundou a Rádio Globo do Rio de Janeiro junto ao jornalista Roberto Marinho.

Jovem, visionário,sonhador, saiu do Brasil em 1938 rumo a Europa no navio inglês Arlanza, para fazer a transmissão dos jogos do Brasil daquela Copa do Mundo! 17 dias "al mare"!


As pessoas não acreditavam! Mas o que se ouviu foi pura magia! Com sua voz forte, seu português impecável transmitiu em ondas curtas e médias aqueles jogos que encantavam o Brasil!

 
Não foi só São Paulo e Rio de Janeiro que pararam para ouvi-lo,foi o Brasil inteiro.O povo se unia nas praças(como hoje) e Getulio Vargas decretou feriado a cada jogo e assim seu nome ficou conhecido nos quatro cantos do país!


Virou uma figura das mais importantes! Todos reconheciam aquele "feito"!


Criou a função do repórter de campo, do comentarista esportivo, as mesas redondas, e apelidos ao jogadores, como Diamante Negro, coisas que até hoje continuam na mídia.passou para o português todos os termos do futebol, como correr que ficou escanteio e outros.


Ele era de vanguarda!
 
Muitos o chamavam de louco, atrevido nas suas mirabolantes ideias!


Era louco sim! Louco por futebol, pelos esportes, pelo rádio, mais tarde pela TV e principalmente pelo Brasil
Está no Museu do Futebol e existem duas ruas com o seu nome, uma em São Paulo e outra no Rio de Janeiro!


Casou-se com Lygia Caldeira Gagliano e teve quatro filhos, um homem e três mulheres.


Uma delas sou eu! 


Orgulho de ser filha dele! Meu pai ,meu herói!


Foi embora muito cedo aos 62 anos de idade em 5 de março de 1974!


Saudade eterna.





Por Lygia Caldeira Gagliano

sábado, 17 de maio de 2014

Nostalgia - derradeira



Texto sem edição

De mãos dadas com minha mãe, iniciamos um ligeiro passeio. Ligeiro na concepção do tempo corrido na época... Hoje, com a nostalgia que esse momento me atinge, não foi nem simples nem tão rápido assim... Para minha querida mãe, a alegria muito, muito, mas muito natural para uma dona de casa muito esperta, zelosa, concisa em seus deveres de administradora de um lar com nove filhos, onde seu cansaço só se manifestaria nos últimos anos de vida... Doenças, então, ela não tinha tempo para estas coisas. Me digam vocês, queridas leitoras, que mulher, no mundo de ontem, de hoje e de amanhã, que não sentem, por pequeno que seja, um prazer em ir às compras, mesmo que não seja nada para ela?

Ex-tecelã, operária da fábrica de tecidos Matarazzo, localizada em frente a nossa casa, cuja estrutura de alvenaria se mantém até hoje, ocupando um quarteirão quase completo, flanqueada pelas ruas Fernandes Silva, Monsenhor Andrade, Assumpção e da Alfândega. Minha mãe trabalhou em tempo integral, em uma época de exploração férrea do operariado, sem as benesses de uma CLT a ser aplicada. Felícia sai com seu filho Modesto, dez anos, sétimo de uma prole de nove, da Rua da Alfândega, 197, no Brás, atinge a Rua do Gasômetro com a única preocupação sobre o que irá comprar.

O garoto Modesto vai olhando os edifícios da Rua do Gasômetro, gravando na memória, casa por casa, sobradões, um palacete encimando o antigo cinema Glória, com seus três arcos na entrada. Passando pelo palacete na esquina da Rua do Lucas, um pouco mais adiante, à esquerda, os muros facilmente identificáveis do gasômetro (muros que se mantêm em pé até hoje) onde eram despejados o carvão “coke”, trazidos pelo trenzinho liliputiano que vinha da estação do Pari, depois de passar por toda a Rua Sta. Rosa. O carvão coke, vindo da Inglaterra, era utilizado na transformação em gás. Nos portões escancarados pela entrada do “trenzinho”, a mamãe Felícia parava, um pouco, para o Tistininho (apelido do Modesto) poder apreciar a operação. A poesia inebriante estava no despejo do carvão do vagão, nas caldeiras fumegantes. Seguro nos trilhos, depois do desengate, o vagão, em uma posição estratégica, era entornado nas caldeiras, o que deixava o Modesto de boca aberta, retendo o andar de sua mãe, tal atração que a manobra exercia sobre ele. Era, realmente, um brinquedo encantador.

Essas informações eram armazenadas na memória do garoto, cheio de fantasias, vislumbrava invasões de foguetes interplanetários que, de imediato, sairiam dos fornos, movidos por retropropulsoras em busca do inimigo, no planeta Mong, reduto do vilão, Ming, desafeto do Flash Gordon. Para sua decepção, no meio de uma fumaceira estonteante, saia um homem, baixinho, de macacão, todo tingido do negro carvão, o rosto totalmente carvoeiro, onde só o branco dos olhos e dos dentes brilhavam na negritude do perfil. Mamãe Felícia, satisfazendo a curiosidade do garoto, puxava-o pelas mãos, pois, por vontade dele, ficariam ali, a manhã toda.

Seguindo em frente, atravessando a Rua das Figueiras, sempre na Gasômetro, a sua direita, contra um céu azul, límpido e prazeroso, erguido no início do século XX, o majestoso Palácio das Indústrias, construção exótica em estilo mourisca\ toscana, com vários, pequenos e médios monumentos, relevos motivados por cenas do desenvolvimento da indústria paulista. A entrada do palácio, a sua esquerda, um espelho d’água, com peixinhos coloridos, ladeados por monumentos alegóricos, uma alegria para os olhos dos que por ali passam.

Em frente às escadarias de entrada do Palácio, distando 70 a 100 metros, com corte da Rua do Gasômetro, separando as duas unidades, deslumbra-se o bucólico e verdejante Parque D. Pedro II, reduto dos passeios, lazeres, piqueniques, namoricos, futebol, crianças de todos os bairros circunvizinhos do nosso querido Brás. Quanta paz, quietude, tranquilidade, harmonia, cuja única violência que perigava na área era os galhos das palmeiras que, vez ou outra, despencavam nas alamedas arborizadas do nobre reduto. A visão do horizonte paulistano descortinava-se no perfil majestoso do primeiro e maior edifício do Brasil, o Prédio Martinelli.

Bem na entrada do parque, imponente e belo monumento enaltecendo o 1º Centenário da Independência do Brasil, em 1922, homenagem da colônia libanesa. Extraordinário trabalho artístico, com motivos da formação das primeiras levas da riquíssima colônia libanesa. (Esse monumento encontra-se na entrada da Rua 25 de Março, visual muito mais atraente do que um hot dog e o bucolismo do saudoso P. Dom Pedro II terminou quando o mesmo se transformou em canteiro de obras de outro grande progresso: o metrô).

No caminho para a Rua Gal. Carneiro, ou Ladeira Gal. Carneiro, como queiram, onde nosso destino era a Joalheria Casa Pastore, a Confiança, ao Empório Toscano e outras lojas de roupas brancas.

Todos estes trechos percorridos, como falei no início, resgatados, não na sua totalidade, porém nos principais tópicos, são recordados com ternura e devoção. Áreas que hoje, inconcebíveis de se permitir a existência de tais situações, são lenitivos, não saudosos, dos tempos que passam sem nos alentar da rispidez e rapidez da passagem dos anos.





Por Modesto Laruccia

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Nostalgias


Texto sem edição

Anos de 1938 a 1941, início da segunda guerra mundial, meus primeiros contatos com as atrocidades na Europa. Na escola Romão Puigari, lembro bem, além dos gibis, (que eu lia), tínhamos um livro sobre história universal em que, entre tópicos  históricos  dos países, o autor, em desenhos rústicos mas, bem acabados apresentava,  por meio destes esboços, (pelo menos o que ele, o desenhista, imaginava), as características físicas do perfil de cada cidadão, acompanhando o texto correspondente. Textos bem resumidos, é claro pois, se destinavam ao ensino básico, na época, denominado, escola de grupo. Os desenhos, elaborados em traços simples e diretos, numa visão rápida, tinha-se noção da relação com o texto. Sem entrar em demasiados detalhes, as divisões eram por continentes. Aparecia um busto de olhos puxados: asiáticos, um rosto moreno: sul americano, um perfil bem definido de um negro: africano e assim por diante. Virando as páginas, deparei com  um perfil de um homem barbudo, traços rústicos: europeu. A imagem me deixou um tanto ou quanto, preocupado. Meu pai, tios, e outros parentes e amigos, todos italianos, europeus, naturalmente, nenhum deles usava barba. Deduzi que os que estavam no Brasil, já eram civilizados e os do livro simplesmente viviam, ainda em estado de civilização bem atrasada, pobretões, o ilustrador baseou-se pelos que ainda vivíam lá e os que estavam no Brasil, já estavam num estágio de civilização bem mais adiantada. (sonho infantil)

Tudo isso pra chegar ao ponto da minha nostalgia, ouvindo os papos em casa, meu pai lendo jornais italianos, (Fanfula) para os amigos, (a maioria analfabetos), fui revendo meus conceitos sobre a guerra. Os inimigos são os alemães, (Hitler), italianos (Mussolini) e japoneses (Hiroito), o famoso “eixo”, apontados em todos os jornais, revistas, gibis e filmes que lia e  assistia. Os grandes heróis, os americanos, principalmente Capitão América, Príncipe Submarino, Tocha Humana, Bat-Man, Super Homem etc. Meu pai tinha no Mussolini, um grande estadista, (saiu da Itália com 11 anos) e meus tios, estavam fora desta contenda, não usavam barba!

Quando um casamento, no seio da família acontecia, a primeira preocupação era o presente a ser oferecido. Se o parente era o noivo, deveria ser algo de uso pessoal, como relógio, caneta, alfinete de gravata, porta-notas com iniciais gravadas  em ouro etc. Se fosse a noiva, uma jóia, roupas de elaboração esmerada, lençóis bordados a mão, colcha ou a famosa bacia com jarro porcelanizada, pra uso íntimo no aposento dos noivos.

Pra comprar o que ficara determinado pelas conversas mantidas com meu pai e, mediante a decisão,  minha mãe se preparava, me escolhia pra companhia e eu, todo alegre, agarrado nas mãos de minha querida mãe, Felícia, sabia que no caminho tinha pipocas ou amendoim, até mesmo, chocolate. Aí começa minha nostalgia... (parte 1)


Adicionar legenda

Por Modesto Laruccia


Odiosa realidade


Texto sem edição

Gostaria de falar sobre amenidades, sobre infância, escolas, bailes de formatura, sobre famílias, enfim como as redações enviadas por quase todos, nos últimos anos. Assuntos saborosos que encantam  todos e dão muito prazer a quem ler e comente. Gostaria, mas não posso. Não devo ter  e ser alegre, feliz,  testemunhando uma avassaladora onda de violências, misérias, abandono de crianças que “teimam” em nascer no mais odioso, ingrato e selvagem ambiente que se possa imaginar. Nós, moradores do parque Continental, zona oeste desta nossa querida cidade, eu, principalmente, somos quase que partícipes do que vem se formando no extremo final da av. Antonio de Souza Noschese, onde moro, um fato aparentemente corriqueiro, mas degradante: o aumento inimaginável de crianças pelos escaninhos e tortuosas vias de acesso aos casebres, na mais imunda, pobre, miserável das condições humanas que já pude assistir .

É de cortar o coração ver elas brincando, rente ao asfalto onde passam carros, caminhões, basculantes que descarregam entulhos, lixo, imundices, pondo em risco a vida destas criaturas;  de onde vieram esses pequenos seres? das barrigas de garotas de, no máximo 15 a 16 anos, em busca do enganoso e deprimente salário família.  Habitando casebres de baixo do viaduto, na divisa com o município de Osasco, surgiram do nada, ocupando áreas nas vizinhanças de um grande terminal de gigantes caminhões, sobrevivem em condições... , (que condições, que nada...) porque respiram! Isto por baixo do viaduto. Por cima, então, é outra visão antidiluviana: casebres montados rente ao asfalto, de uma pista de duas mãos, estreitas, tão apertada que, se alguma criança sair do casebre e der um passo, só UM PASSO DE CRIANÇA, é estraçalhado por qualquer carro ou caminhão que vem a toda pela via.

Pequerruchos, lânguidos, olhos tristes, as meninas sempre mais sensíveis, desde criança, o instinto materno se manifesta nessa criaturinha tão meiga, cuidando de outro menor.
Que quadro desolador, quanta tristeza, olhando e pensando, estas crianças poderiam ser meus filhos, netos, minhas sobrinhas, qual é a diferença? Por quê nascem  com tanto desencanto, tão desprotegidos... ? E depois, quando crescem, (se chegam a isso...) o que será da vida deles, quem lhes garante alguma proteção, alguma escola que ampare o futuro deles... ? mas eles vão reaparecer, o aprendizado nas ruas, nas aglomerações de marginalizados de tudo que se entende como vida decente e segura, vão reaparecer, vão querer cobrar de nós, seus direitos usurpados ao nascerem.  

Estas mesmas crianças, já crescidas, armadas por adultos, que também nasceram e cresceram  como eles, vão roubar, assaltar, estuprar, bater, matar,  violentar com ímpetos de elevadíssimo grau de crueldade, agindo  com rancor impenetrável.  Na busca de uma razão pra tal procedimento, por parte de estudiosos do comportamento humano, tem enorme dificuldade em estabelecer a razão desse hediondo perfil, chegam a conclusões de que não adianta  pesquisar porque não estão lidando com seres humanos.
De uma coisa podemos ter absoluta certeza, nossa parcela de culpa não é pequena. A ambição desenfreada da sociedade tem seus destemperos na desigualdade abissal dentro da própria sociedade.



Por Modesto Laruccia


sábado, 10 de maio de 2014

Parabéns à todas as mães do mundo




Da mãe negra, da mãe branca, 
da mãe que chora
Da mãe que implora, 
da mãe que pede esmola, 
da mãe que é rica e vive bem
da mãe que é pobre e nada tem. 
Da mãe da mãe que além de mãe, 
é avó também, mãe duas vezes, 
todos seus netos a querem bem.
Dia da mãe adotiva, que por toda sua vida 
Cuidou da vida do filho de alguém.
Cuidou muito e cuidou tão bem
que hoje o mesmo sente-se um filho dela também.
Da mãe que sofre pelo filho que já morreu, 
como Maria em um triste dia 
diante da cruz perdeu o seu.
Da mãe que hoje luta, 
da mãe prostituta, 
da mãe sem marido, 
da mãe sem abrigo, 
que vive jogada, 
sem nenhum filho amigo 
que lhe estenda a mão.
Da mãe que foi descartada, 
em um asilo deixada,
por que idosa um dia ficou 
e vive ali esquecida, 
o seu finzinho de vida 
vivendo assim quase de favor.
Da mãe do leiteiro, 
da mãe do padeiro, 
da "sofrida" mãe do Juiz 
da mãe de todo brasileiro, 
também de todo estrangeiro, 
que em nossa terra como imigrante
um dia chegou .
Da mãe que ainda é solteira, 
da mãe que por alguma razão 
um dia matou seu filho 
e hoje vive em uma prisão.
Da minha mãezinha querida 
que já não esta nessa vida 
e hoje espera por mim.
Pedindo a Deus mil desculpas, 
por tudo o que fiz de ruim.
Em maio tem um dia querido,
por todos nos sempre amado. 
O dia das mães das pessoas, 
não importa a sua idade. 
Das mães de todos os amigos. 
Solteiros, viúvos ou casados.

PARABÉNS À TODA AS MÃES DESSE MUNDO!



Por Arthur Miranda

segunda-feira, 5 de maio de 2014

O eterno conjunto de sons




Música, divina expressão do ser humano ao ser despertado em épocas distantes, desde um simples  ruído natural passando pelos relâmpagos e trovões, espicaçando a curiosidade dos habitantes das cavernas, os primeiros seres viventes. Aprendendo a falar, berrando feito um irracional, (de quem aprendeu muita coisa), da fala, ouvindo e copiando os pássaros,  vai para o canto, embelezando, melodiosamente,  seu relacionamento com outros seres.

Pensando nestes encantadores momentos de ternura e devoção, estou em casa, no Parque Continental, zona oeste de nossa querida cidade de São Paulo, sem me preocupar em  descobrir o nascimento de novos músicos e instrumentos musicais. Apenas ouço melodias compostas para mim... Sim, para mim, sempre direcionadas a mim. Ouço-as com respeito religioso, não permitindo que outros ruídos venham interferir na minha audição e contemplação, degustação espiritual que a música me satisfaz.

Se estou ligado à minha caixa de som, coloco um CD de concerto, uma ópera, ou a  execução solo de um grande artista do piano, violino, trompete, saxofone, violão ou guitarra ou,  senão, uma emissora que tenha uma programação voltada unicamente à música clássica; enquanto travo minha saborosa batalha com o computador, vou trazendo pra dentro de minha alma, alegrias, tristezas, nostalgias, saudades, melancolias enfim, um estado de torpor que certas melodias, na sua magia, no seu modo de ser, no seu poder de penetração, deixam sua marca indelevelmente registradas em nossa existência espiritual.

Gosto de música, minha predileção, como a leitura, em qualquer hora do dia ou da noite. Música ao vivo, assisti muitas vezes; é a realização de uma verdadeira ode instrumental, onde mais de cem professores se empenham em proporcionar a você, presente na plateia, um envolvente momento que se prolonga, a “di ‘nfinitun”, pra que você deguste os segredos acondicionados dentro de, desde um simples “triângulo” até o mais barulhento dos tímpanos a ribombar seu coração, numa ALEGRIA CONTAGIANTE. 
Se você ouve um trecho de Mendelson, no seu Concerto pra violino e orquestra, nº 4, é de uma extraordinária beleza. E o Mendelson morreu com, apenas, 48 anos...

Não querendo me estender e cansar meus amigos, só quero lembrar  “O Cisne de Tuonella” , o “andante” do concerto pra piano e orquestra nº 2, de Shostakowiski.




Por Modesto Laruccia

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Um anjo



(crônica/verdade)

Anos se passaram. À tarde de um frio intenso parecia debochar da gente. Frio violento, carrasco, impiedoso, nunca sentido, que eu me lembre.
Ao sair do Fórum João Mendes Jr. naquela tarde, me dirigi à livraria Saraiva na mesma Praça João Mendes, bem defronte ao fórum. Buscava, pela vitrine, algum livro jurídico relacionado com Filosofia do Direito. Depois de alguns minutos observando, viro-me para o lado e vejo, de cócoras, um senhor negro com uma mísera camiseta rasgada, "vestindo" um roto calção. Tremia todo o seu corpo que mais parecia estar em convulsão irreversível. O rosto, ah! Seu rosto. Além das vergadas que o tempo lhe infligiu, a barba branca do esquecimento humano cobria todo seu rosto. O olhar, ah! O olhar triste perdido nas desgraças sofridas tinha ainda assim vestígios de amor, e pedidos de socorro. Lá naquele canto, esquecido na vida, via passos apressados, passos largos, passos voltando, passos correndo, mas não via nenhum olhar, nem mãos amigas, estava tão só, um descartado da vida. De repente, do meio da multidão, surgiu um homem, um homem loiro e moço, bem apessoado, com um riso doce nos lábios, vestindo um riquíssimo casaco de couro parou em frente do mendigo negro, estendeu sua mão, pegou a mão do homem negro e o levantou. Tirou seu rico casaco e colocou naquele pobre ser. Ficou ele, então, só com uma rala camiseta, sorriu, apertou a mão do homem, e, como veio, no meio da multidão, sumiu naquela tarde fria.
Eu disse para mim mesmo, o cara era um anjo, sem dúvida. Caminhei pensativo, entrei na Catedral da Sé e orei. Era que tinha que ser feito.




Por Fábio Belviso


sexta-feira, 14 de março de 2014

A primeira e a última vez






Uma primeira vez. A primeira que fui ao teatro (adulto) nunca esqueci.

Era no Teatro Bela Vista (hoje Sergio Cardoso e antes, Cine Espéria), e fui assistir Gigi, de Collette, com Paulo Goulart e o "resto" do elenco: Conchita de Morais, Henriette Morineau, Suzana Freyre.

Eu, de vestido de laise cor de rosa, sapato de verniz preto e meias brancas.


Vi no palco também pela primeira vez, aquele ator maravilhoso, bonito, charmoso. Era 1958. A última vez foi no ano passado, em O Tempo e o Vento, quando tive a certeza de que seria a última vez que o veria atuando. Já não era. 



Por Teresa Fiore

sábado, 1 de março de 2014

Casos do passado



Era muito trabalho para Dona Linda, minha mãe, por esta razão a tia Maria, que morava no Jardim Penha, estava sempre em casa para ajudá-la a cuidar dos seus nove filhos. Morávamos na Rua Antônio Lobo, no bairro da Penha de França, e minha mãe não dava conta de lavar, passar, cozinhar, limpar e tantas outras atividades que uma família grande como a minha precisava, ainda bem que esta tia podia ajudá-la a tomar conta do pequeno batalhão. Claro que meu pai havia combinado um salário, a condução e outras coisas que ela viesse a precisar, afinal de contas, tínhamos seu carinho com muita exclusividade.
Elas conversavam muito, minha mãe e a tia Maria que estava sempre alegre a nos ajudar em tudo que precisávamos.  Muitas vezes eu as via conversando baixinho, mas eu estava sempre atenta nestas conversas que certamente minha mãe não queria que escutássemos.
Certa vez, ouvi em uma destas conversas que uma vizinha apanhava constantemente de seu marido. Eram surras que judiavam e marcavam física e moralmente esta mulher. Isso acontecia porque ele parava em um bar para beber uma birita após o trabalho, mas acabava bebendo em excesso. Depois, ele descia a nossa rua cambaleando e as paredes das casas funcionavam como guia e apoio ao mesmo tempo. Alterado pelo álcool e já em casa, falava mal, batia em sua mulher e, depois da discussão, ainda jogava com desprezo o prato de comida que com certeza era feito com carinho, no chão.
Depois de um tempo, quando estávamos maiores, minha mãe acabou nos contando casos que haviam acontecido no passado com algumas mulheres que moravam na redondeza e dois deles ficaram retidos em minha memória. No primeiro, a mulher levou tantos chutes de seu marido nas costas que acabou com um rim danificado que precisou ser retirado. O segundo caso foi o de uma mulher que sofria maus tratos e que, para piorar a situação, acabou pegando tuberculose, então seu marido a abandonou levando sua única filha. Depois de um tempo, essa mulher sem tratamento algum, sem recurso e na miséria, acabou morrendo. Esta mulher chamava-se Ana; nunca esqueci seu nome. As lágrimas sempre marejavam os olhos de minha saudosa mãe quando comentava sobre este fato.
Outro caso era o da mulher de um advogado que era mantida presa em sua própria casa. Ela saía raramente e apenas na companhia de seu marido e nunca cumprimentava as pessoas, pois seu olhar era fixo no chão, acho que por ordem de seu marido. Ela tinha uma aparência muito estranha apresentando certa palidez. Os cabelos pretos eram presos e cobertos por uma tela e suas roupas eram sempre escuras com mangas e saias longas, chegava assustar a todos.
Naquele tempo, as mulheres eram usadas para o trabalho doméstico ou então para trabalhos de baixo escalão e sem segurança alguma quando precisavam ajudar no sustento da família. Totalmente desprotegidas e sem leis que as amparassem, não tinham muita saída a não ser aguentar tudo isso.
Todos estes casos contados pela minha mãe eram, na verdade, o produto de uma sociedade machista e que desvalorizava descaradamente a mulher.
Graças à união de muitas mulheres e muita persistência as nuvens negras foram-se diluindo e, aos poucos, foi surgindo uma nova sociedade, transformada com o decorrer da história e que hoje reconhece, dignamente, a mulher como a grande doutora nos diversos setores da vida e da nossa sociedade. O respeito aos seus direitos, ao seu trabalho e a sua vida ganharam um enorme espaço.
Hoje presto uma homenagem em especial àquelas mulheres que sofreram e lutaram por uma vida melhor e mais digna e que hoje já não se encontram mais aqui.
Aproveito para estender os parabéns àquela mulher que não foge a luta, não tem medo de assombração, nem de escuridão. Àquela de sabedoria única, de força, de paciência grandiosa e que não teme esconder sua afetividade que flui livremente dentro da sua alma.
O dia que foi dedicado à mulher é um marco de muita tristeza, mas que reflete a nossa maior alegria pelo espaço ganho e que foi construído ao longo de tantos anos.
Um abraço com carinho a todas as mulheres da cidade de São Paulo.





Por Margarida Peramezza