sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Somos todos "bipolares"


Somos todos “bipolares”... de uma maneira ou de outra, isto está em nós, seres humanos.
A vontade de esfolar, de bater, de esganar, de dizer coisas que possam ferir, muitas vezes cresce em mim, chocando-se com minha índole de pacificação.
Sim. Penso que qualquer ser humano pode fazer maldade. Basta termos oportunidade.
Sabendo que temos dois lobos em nossa consciência e que um deles pode ser mais forte que o outro, diariamente busco alimentar o lobo bom para que ele sempre se torne mais forte. Não fosse assim, com certeza o lobo mau já teria saído vencedor e eu já teria esmagado alguém.
Sampa tem destas coisas. Pode inspirar amor e ódio.
É aqui, em minha amada cidade de São Paulo que estou vivendo dias de tormento. Jamais poderia imaginar que, na minha idade, teria de experimentar uma perseguição tão cruel... A sutileza com que está sendo feita, a torna mais cruel.
Estou sofrendo. Estou sofrendo porque estou triste. É a tristeza que me causa sofrimento. Triste em ver uma pessoa tão inteligente agir de forma tão contrária ao que prega.
Não posso admitir que seja por conta da idade avançada, Não.
Penso que é porque esta pessoa tem nela tudo o que faz contra mim. Ela não sabe dominar o seu lobo mau e esquece-se de alimentar o seu bom lobo.
Deus... SOS! Me ajude a passar por esta fase o mais rápido possível e me dê força moral para superar as dificuldades.

Por Sonia Astrauskas

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O FILME DA MINHA VIDA



 
È engraçado que sempre fui movido a cinema, desde a infância. E, ao contrário do que poderia ter acontecido, não me tornei um expert no assunto, nem mesmo fui trabalhar em alguma área ligada à sétima arte. Se bem que, quando tinha por volta de 14 anos, rodaram um filme com algumas locações no prédio do colégio onde fazia o curso ginasial e fui o escolhido para ser o amigo do protagonista. O filme se chamava, se não me engano, “Entre Deus e os Homens” e contava a história de um rapaz (o protagonista) que estava dividido entre seguir sua vocação religiosa, entrando para o seminário, exatamente no momento em que conhecera e se apaixonara por uma colega de ginásio.

Foram horas e dias de preparação, maquiagem pesada (coisas da época) e ensaio das (poucas) falas que tinha nos diálogos com o protagonista. O diretor deixou um cartão com meu pai, dizendo que se eu quisesse tentar a carreira cinematográfica, ele teria o maior prazer em me ajudar, já que acreditava que eu tinha algum talento para a coisa. Mas, assim como o filme que nunca estreou, em casa também, as coisas esfriaram e, a minha vida seguiu sem maiores sobressaltos. Até minha experiência no teatro – no teatro do colégio, claro! – também não vingou. Estavam ensaiando a peça “Morte e Vida Severina” e eu fui escolhido para viver o Mestre Carpina. Começados os ensaios, eu peguei uma pneumonia muito forte e fiquei uns dois meses em tratamento, o que motivou a diretora da peça a colocar no meu lugar uma colega (uma colega!) Me trocaram por uma menina, veja só! Mas aí também morreu minha iniciativa como ator de teatro.

Já contei também que, quando criança, participava de um programa de calouros numa rádio que funcionava ao lado do Cine Maringá, no Jabaquara. E como cantor, essa também foi minha primeira e última experiência.

Mas fora essas esparsas experiências, sempre fui um fã do escurinho do cinema, que me proporcionava vivenciar sonhos, desde os infantis, passando pelos juvenis e, depois, sonhos de adulto mesmo. Não tenho a menor vergonha em confessar que sempre fui e continuo sendo um sonhador! Lembro perfeitamente das infinitas lágrimas que derramei assistindo (várias vezes) o filme “Marcelino Pão e Vinho”! E também chorei muito no filme “Bambi”! E até hoje, já sessentão, continuo chorando quando assisto filmes, seriados, novelas e até alguns programas de auditório.

Assisti muitos filmes nesses mais de sessenta anos de vida. Tantos que me sinto incapaz de fazer uma lista dos que mais gostei ou que mais me marcaram. Mas existe um que é uma espécie de marco em minha vida!

Talvez até mesmo um ritual de passagem! É um filme de 1964, que deve ter estreado por aqui, talvez dois anos depois, que era mais ou menos o tempo que as produções estrangeiras demoravam para chegar ao nosso país. Eu deveria estar próximo dos dezoito anos quando o assisti, e posso dizer que não conhecia os atores e atrizes, muito menos diretor ou autor. Fui vê-lo pela curiosidade de assistir um filme Greco-americano, que havia sido premiado em várias partes do mundo, mas não conseguiu nenhuma indicação ao Oscar, embora os críticos e o público o tivessem adorado. E eu fui imediatamente seduzido pelos encantos todos desse filme tão peculiar quanto diferente de tudo que havia visto até então no cinema!

A dobradinha Anthony Quinn e Alan Bates foi cativante. Bates é Basil, um jovem escritor inglês que chega à Grécia com a finalidade de tomar posse de uma mina deixada como herança por seu pai. Ele está passando por uma crise de criatividade e acaba embarcando nessa viagem em busca de suas origens mais por inércia do que por idealismo.  Enquanto espera para embarcar no navio que o levará a Creta, conhece um grego simples e muito entusiasmado que o convence a levá-lo consigo como intérprete e cozinheiro. Esse grego é Zorba e, a partir dessa amizade, várias experiências inusitadas levarão a vida pacata de Basil a uma reviravolta total. Ele vai passando de observador passivo do mundo a participante ativo de sua própria vida. Em contato direto com uma cultura totalmente diferente da sua, ele é chamado por Zorba à vida e aos seus prazeres e aprende que é o único responsável por suas escolhas e ações.

Esse filme mostrou a cativante representação de uma amizade improvável, colocando lado a lado maneiras opostas de encarar a vida: a de um veterano homem do povo, cheio de sede de viver e a de um jovem recatado e burguês, que se contentava em observar a vida através de uma janela. O desenrolar de conflitos através dos caracteres específicos de cada personagem foram explorados com gosto pelo elenco e se converteram em autodescobrimento e em louvor à vida em toda sua plenitude.  As presenças marcantes de Lila Kedrova (Madame Hortense) e de Irene Papas (a viúva que se comunicava mais com a fisionomia e com o silêncio do que com palavras) foram importantíssimas para o total entendimento desse filme.

E coroando tudo isso, a fabulosa “dança de Zorba”, que até hoje faz sucesso em todas as partes do mundo. O tema, “Sirtaki”, de Mikis Theodorakis, foi interpretado magistralmente por Anthony Quinn que, dançando na praia, chama o personagem de Alan Bates à vida, culminando em uma explosão de alegria e determinação. Não posso deixar de dizer que “Zorba o Grego” foi dirigido competentemente por Michael Cacoyannis, que soube extrair o melhor do reduzido elenco, criando um grande e inesquecível filme.

Saí do cinema num estado de encantamento pela vida que me deixou leve, como se estivesse flutuando. E esse encantamento me transformou num apaixonado divulgador, motivando muitas outras pessoas a assistirem o filme. E sempre que podia, lá ia eu, novamente, me deliciar com essa obra de arte.
Eu era um jovem moderno. Também era moderado. Talvez pelo passado católico e pela passagem pelo seminário, era discreto, estudioso e já gostava de escrever. Usava óculos, roupas sóbrias e, talvez por tudo isso, os colegas logo me identificaram com Basil, o jovem escritor do filme. Mas... como eu já usava - uma das novidades recém lançadas no mercado – as cuecas Zorba, acabei ganhando o apelido de “Zorba”, que me acompanhou ginásio afora.
Vieram outros (muitos outros) filmes, outros personagens, outras histórias. Mas de todos, o que jamais saiu da minha memória, o que mais mexeu comigo, o que mais me influenciou diante da vida, sem sombra de dúvida, foi esse: “Zorba o Grego)!

Se alguém quiser assistir à dança do Zorba, basta clicar sobre o link a seguir: http://youtu.be/6LmQtlPNcLA

 
por: Zeca Paes Guedes

terça-feira, 25 de setembro de 2012

 
LEMBRANÇAS DE UMA AVÓ
 
Minhas filhas, assim como todas as mulheres modernas, trabalham fora exercendo a chamada "dupla jornada”.
 
Por conta disso, estou sempre rodeada dos netos. Eles vêm em busca de um dengo, de ajuda nos trabalhos escolares e, principalmente, saborear alguns quitutes, típicos de "casa da vovó".
 
Mas, gostam muito, também, de ouvir as histórias que conto sobre minha infância. Desde o mais velho, com 20 anos, até o pequeno, com 7, divertem-se muito ouvindo os relatos das travessuras, das brincadeiras de rua, todas elas já conhecidas de todos nós. Eles gostam de saber os detalhes e já tive que contar a mesma história várias vezes.
 Outro dia, o menorzinho, Leonardo, hoje com 7 anos, olhou-me com tristeza e perguntou:
- Vovó, você não tinha play?
Expliquei a ele, que a rua era o play das crianças e ali nos divertíamos muito, brincando de "estátua", de "jogar sério" "jogar pedrinhas", brincadeiras que ele não conhecia. Inclusive, o teatrinho de rua, onde encenávamos pequenos roteiros ou sinopses, feitos pelos mais criativos. Também fazíamos as roupas dos personagens, com muito papel crepom, cola e purpurina. Tudo muito colorido.
Nossa plateia era formada pelos vizinhos, que traziam suas cadeiras e, ainda, nos aplaudiam muito. Depois, servíamos lanchinhos de pão de forma e água com groselha, comprada em litro, no Zé da venda.
 Meu netinho, ainda não satisfeito, tornou a perguntar: -E, também não tinha shopping?
Novamente tive que explicar que nosso shopping era ali mesmo, a céu aberto, aonde os vendedores vinham até nós para oferecerem seus produtos. Eram os mascates que vendiam roupas, vendedores de livros, os  verdureiros, o peixeiro, etc. Mas o que mais gostávamos mesmo, eram dos vendedores de  doce como o "quebra-queixo", "machadinha", "biju" e, principalmente, do vendedor de "sonhos e "maria-mole", com seu carrinho envidraçado e todo pintado de branco. Que delícia!
Além dos vendedores, tínhamos, também, os compradores. Uns compravam jornais e papelão, outros garrafas, metais, etc. 
E nós, (acho) iniciando a reciclagem, juntávamos todo esse material e ficávamos à espera dos compradores. Os cruzeiros e centavos, obtidos com essa transação, eram facilmente trocados por gibis, ou pelas delícias açucaradas descritas à cima.
Acho que hoje é difícil para uma criança, imaginar toda essa liberdade que tínhamos, pois as ruas, agora, são assustadoras.

por: Bernadete Pedroso

quarta-feira, 19 de setembro de 2012



RECORDAÇOES


Abrindo o Estadão, hoje, reparei numa reportagem sobre a Praça Roosevelt. Vão inaugura-la novamente.

Quantas vezes já inauguraram a famosa praça? Lembro-me da primeira ou talvez da segunda vez.

Muitas coisas relacionadas comigo lá aconteceram.

Por volta de 1963, lá funcionavam dois estabelecimentos de ensino.

O Colégio Porto Seguro, que era na sua maioria frequentado pelos filhos mais abastados e oriundos da colônia alemã e o Colégio Comercial Frederico Ozanam. Como o nome já dizia, era um colégio comercial, portanto, de frequência menos refinada e mais voltada ao profissionalismo já que os cursos de secretariado e contabilidade tinham o objetivo de preparar, de imediato,  o aluno para a luta do dia a dia.

Pois bem, morava eu na Rua Augusta entre os cines Regência e Maracha, portanto a dois quarteirões de ambos os colégios.

Vinha de uma má experiência no estudo noturno. Fora jubilado do Colégio Professora

Marina Cintra, na terceira série ginasial. Trabalhar a tarde e estudar a noite pra mim era uma festa, podia dormir até tarde e me esbaldar à noite. Escola nada.

Minha mãe, que não era alheia aos fatos, queria mudar minha rotina fazendo com que eu estudasse no período matutino e em um bom colégio.

Resolvido! Iria estudar no Colégio Porto Seguro, na Praça Roosevelt. Era perto de casa e, a meio caminho do Tabelião Veiga, meu trabalho, na Rua Líbero Badaró com Viaduto do Chá.

Isso dito ela foi ao colégio se informou de tudo e no dia seguinte me deu o dinheiro para matricula.

E lá fui eu bem cedo, na hora da entrada, para conhecer  meus futuros colegas.

Não gostei. Muito “almofadinhas” para o meu gosto. Aqueles uniformes azuis, calças curtas e tudo muito bem engomadinho. Olhei para o lado e ali estava o Frederico Ozanam, muito mais o meu perfil.

Seu Waldemar, bedel, na porta controlando a entrada e uma moçada que tinha tudo a ver comigo.

Entrei e fui muito bem recebido por todos, pessoal alegre, de bem com a vida. Conversei com o Prof. Negrão. Diretor e fui convencido que aquela seria a melhor opção para mim. Fiz a matricula, ficando de voltar para o primeiro dia de aula no dia seguinte.

Fui para casa e minha mãe perguntou: tudo certo? Lógico mãe, tudo certo.

Lógico que dois meses depois ela foi ao Porto Seguro saber como eu estava me saindo e soube que eu não estava matriculado.

Foi um reboliço, mas já estava feito e ela se conformou, pois foi ao Ozanam e também gostou do que viu.

Ai começou a minha convivência com a Praça Roosevelt. Foram alguns anos toda manhã, na entrada e na saída do colégio. Ali ficava conversando com os amigos fazendo hora para entrar no trabalho.

Com as novas amizades, quase todas do Bixiga, a praça virou ponto encontro, meio de caminho para mim e meus amigos.

Nos fins de semana nossa diversão eram os bailinhos de garagem e do CAFE – Centro Associativo da Fazenda Estadual, que ficava na Rua 13 de Maio, atravessando a Brigadeiro.

Além de muitas paqueras e “flertes” eu tinha uma namorada na escola e dois amigos inseparáveis, Aurélio e Newtinho. Juntos íamos pra todo lado. Com o Aurélio eram mais os bailes de formatura no Pinheiros, Fazano, Casa de Portugal, Aeroporto e com o Newtinho a noite era mais musical. Ele era um fã ferrenho da Bossa Nova e não aceitava a Jovem guarda. Então eu vivia os dois lados, pois gostava e gosto de ambos. Frequentava o Teatro Record na Rua Consolação tanto nas tardes de domingo como nas noites de O Fino da Bossa.

Sobrava um tempo ainda para os fins de noite. Algumas no Som de Cristal outras zanzando pelas boates do pedaço, Stardust, Cave,  Baiuca etc.

Falando da Baiuca, na Praça Roosevelt, ao lado da Baiuca funcionava um boteco de dois portugueses, chamado “Baiuquinha”.

Boteco desses de balcão de mármore, ovos coloridos, cachaça e duas mesas para os músicos desempregados que para lá iam à procura de emprego ou de alguma “canja” na falta de alguém, um musico doente ou qualquer coisa assim.

Foi numa dessas mesas que aconteceu um fato de que não esqueço.

Estávamos tomando a “saideira” tipo duas da manhã de um sábado quando chega ao bar nada menos do que Jonny Alf.

Numa fossa muito grande. Não vale a pena aqui explicar o motivo. Sentou-se, começou a cantar junto com os presentes. Bebendo uma cerveja, pediu lápis e ali, naquele momento, escreveu em um guardanapo de papel a letra do que seria seu maior sucesso Eu e a Brisa. 

Ali também presenciamos João Gilberto querendo vender seu violão para comprar passagem para os EUA, pois aqui não via chances de sucesso, apesar de já ter gravado Chega de Saudade.

São recordações de uma época muito boa e vivida com muita alegria. Na maior parte vivida na Praça Roosevelt que será inaugurada novamente.

Fico contente que pelo menos, não me tirarão mais um lugar de recordações, mas garanto, não a deixarão com a mesma vivacidade de antigamente, isso não volta jamais a não ser nas nossas lembranças.

Por: Guilherme Carlos Graziano

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

BOCHA E BINGO

 
Noite fria, nos bons tempos do “bingo”, 5 ou 6 anos atrás.

Como fazíamos todos os fins de semana, eu e a Myrtes, juntos com casais amigos, Wanderlei e Iara, Joaquim e Tereza e Hercules e Gloria, em comum acordo, levávamos nossas companheiras até o bingo da Rua Aratãs, em Moema.

Ótimo passatempo, pra quem gosta, evidentemente, vez ou outra ganhavam alguma coisa, na maioria das vezes, perdiam, (não muito, eram prevenidas...).

Agora, um momento de prosa entre nós, a respeito do bingo. Essa proibição é por demais arbitrária contra os idosos. A grande maioria das pessoas que frequentavam os bingos eram já de idade avançada, tinham um passatempo relaxante, como jogar tômbola nos fins de anos, com a família. A hipocrisia maior é que, os bingos continuam clandestinos, sem nenhuma segurança e, alguns deles, com “amparo” policial. Bem, é melhor parar por aí...

Nós, os maridos, íamos direto pra um salão de sinuca existente nas redondezas. Jogamos sempre em parceirada, sorteando as duplas.

Sempre que houvesse repetição de parceiros, trocávamos no decorrer das partidas, num sadio e bem humorado passatempo.

Isso quase todas as noites de sextas-feiras, sempre amigos, apesar de nem todos serem vizinhos um do outro. Só o Joaquim mora perto de mim. Moramos no Parque Continental há mais de 40 anos. O Hercules mora no Brooklin e o Wanderlei, no Morumbi, conhecemo-nos quando adquirimos, quase que simultaneamente, casas em Mongaguá, há mais de 30 anos.

Fizemos boa amizade que dura até hoje; nas férias coincidia sempre em passar na praia juntos, depois de acertos por telefone. Como nossas casas distava ‘a poucos metros da praia, nosso passatempo matinal era futebol e nas tardes, bocha, além da praia, é claro.

Sim, bocha, reservávamos um trecho retangular, na areia, 3 a 4 m. X 10 a 15m. Na quadra improvisada, sempre preparada pelo bom esportista e grande ser humano, o Nico, já falecido, concunhado do Wanderlei, aproveitávamos o aclive natural e suave das praias, todos jogando do mesmo lado, as partidas eram jogadas por 4 pessoas, parceirada, 2 a 2. Quem conhece jogo de bocha, sabe o que eu quero dizer, não tinha as tábuas de retenção, a própria areia se encarregava de amortecer a velocidade das bolas. Era muito divertido e gostoso, saudável e desopilante, pois não faltavam as gozações, brincadeiras e, por que não, discussões a respeito da validade, pontos, distâncias não respeitadas e as partidas sempre terminavam com risos e gargalhadas. Bom tempo, ou melhor, ótimos tempos, estes sim eram aqueles em que éramos felizes e sabíamos, esta era a face amarga da situação, sabendo que aquilo não era pra sempre; coincidiu que vendemos as casas quase que simultaneamente, por motivos vários.
 
por: Modesto Laruccia

 

 

 

MEMORIAS DANÇANTES



 
Tarde de um domingo qualquer dos anos 50, na Escola Técnica de Comercio Frederico Ozanan, situada na Praça Franklin Roosevelt 129 em São Paulo.

Amplificador ligado, disco acomodado no prato, o braço do pick-up posicionado, a agulha assenta-se sobre os sulcos gravados e ouve-se, então, nos alto-falantes a melodiosa reprodução de “Moonlight Serenade” executada por Glenn Miller e sua Orquestra.

Depois dos primeiros acordes, o microfone é aberto, o som da vitrola baixado e o locutor (no caso, eu) inicia sua mensagem:

 “-Com este prefixo musical, o Grêmio Estudantil Frederico Ozanam, inicia sua tarde dançante deste domingo, desejando a todos uma tarde de muita alegria. Vamos dançar pessoal?”

Aumenta-se o som da vitrola e a melodia volta, com todo seu romantismo, a preencher todos os espaços da pista de danças.

Daí para frente o operador de som iria enfrentar as três horas seguintes frente o pick-up, trocando discos e reproduzindo diversas musicas dançante. Seriam executadas artistas e orquestras tais como Waldir Calmon, Glenn Miller, Tommy Dorsey, Perez Prado, Frank Sinatra, Benny Godmann, Elvis Presley, Lucho Gatica, Trio Los Panchos, Gregorio Barrios, Agostinho dos Santos, Cauby Peixoto e muitas outras estrelas musicais para que os convidados pudessem dançar e se divertir.

Quem chegasse naqueles momentos, sem ter tido qualquer contato anterior, não poderia imaginar o intenso trabalho que fora desenvolvido nas horas anteriores para permitir aqueles momentos dançantes.

Não saberia que no sábado, depois de terminadas as atividades culturais e esportivas habituais, por volta das 18h00m, os responsáveis pela Comissão de Formatura do ano e os diretores do Grêmio, se reuniam para dar inicio ao desmonte da classe para liberar espaço para o baile.

O salão era, sempre, o Escritório Modelo, onde o 3º. Técnico tinha suas aulas normais. Mesas e cadeiras desmontadas e empilhadas eram transferidas para outras salas de aula que não seriam visitadas pelo publico do baile.

Depois de desobstruído o salão, era a vez do Edson Gomes e do Newton Rubem Caggiano, colocarem suas habilidades em elétrica e eletrônica em uso. Caixas de alto falantes eram afixadas nas paredes, fiação era estendida com segurança por todos os espaços aéreos para permitir que os alto falantes pudessem reproduzir o som que seria transmitido da Central de Som instalada em algum lugar, de preferência não acessível por participantes do baile. Ali, só o disc. jockey seria admitido, para o tranquilo desenvolvimento de suas tarefas.

Mesas seriam colocadas no final do alpendre   que ocupava toda a lateral da escola para que ali fosse instalado o bar que, explorado pelos formandos do ano, teria a missão de vender os refrigerantes e arrecadar fundos para a festa final.

Por volta das 20h00 horas, com o trabalho em mutirão totalmente concluído, os participantes iam para casa, banhar-se para, depois, participarem de festinhas de garagem, sessões de cinema ou teatro ou outras atividades que bem lhes aprouvesse.

Domingo, dia do evento, após o almoço em família, os responsáveis iam para a Escola e depois de revisarem as instalações e nada encontrando para retificar,  espalhavam pela sala, já totalmente livre dos móveis, raspas de vela, para permitir que os bailarinos deslizassem melhor na desenvoltura de seus bailados.

Pronto, aguardavam a presença dos convivas e, no horário aprazado, davam início ao baile, sempre na forma com que esta narrativa foi iniciada.

Baile próximo do horário de encerramento. Novamente Glenn Miller era convocado e iniciava a execução de Moonlight Serenade, o som era baixado, o microfone novamente aberto e o locutor dizia:

“-Com este sufixo musical, o Grêmio Estudantil Frederico Ozanam, encerra mais uma de suas matines dançantes. Agradecendo a presença e esperando contar com a presença de todos nas próximas atividades, desejamos a todo um excelente final de tarde. Boa noite!”

Pronto. Tudo terminado? Claro que não. Assim que os convidados saíssem, o0 pessoal colocava, novamente, mãos à obra e desfaziam  as instalações preparadas na noite de sábado, remontavam a sala de aula para que na manhã de segunda feira os alunos pudessem retomar as aulas, e só depois, num bagaço só, iam para casa descansar.

Tempos der trabalho, dedicação, responsabilidade e muita diversão.

Foi muito bom tê-los vivido intensamente.  
por: Miguel Chammas

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O NATAL DA MINHA INFÂNCIA




 

Este seria o segundo Natal que eu minha mãe e minhas duas irmãs passaríamos sem o meu falecido pai, que morreu do coração em junho de 1945. Este ano porem, graças a uma promoção Social do Governo de São Paulo encabeçado por sua famosa esposa e primeira Dama do Estado Leonor Mendes de Barros, eu não iria ficar sem presentes. Minha Irmã mais velha, Jurema, conseguiu três convites depois de pegar uma fila enorme no diretório do ANTIGO PSP - Partido Social Progressista, dirigido pelo Joaquim Fernandes o português mais brasileiro que conheci. Um homem lutador que trabalhou muitos anos incansavelmente para trazer melhorias para o bairro da Freguesia do Ó.

Esse convite dava o direito para que no domingo que antecedesse o dia de Natal, pudéssemos comparecer no PALÁCIO CAMPOS ELÍSIOS (na época Sede do Governo do nosso Estado) e retirássemos ali os presentes que seriam distribuídos às crianças pobres da cidade.

Passei grande parte dos dias que antecedeu esse Natal, Igual corintiano depois de ganhar a Libertadores, ou seja, em estado de graça! Acostumado pela pobreza nata a não ganhar presentes no dia de Natal, estava me achando um felizardo, principalmente por saber que os convites estavam esgotados e eu era o único menino daquele pedaço que possuía o convite, graças ao sacrifício da minha irmã que enfrentou enorme fila das 11h: 00 até às 20h: 00 para pegar o mesmo.

E assim à medida que o tempo ia passando, a minha ansiedade aumentando, e eu ia fantasiando o presente que iria ganhar Uma bicicleta, um Patinete, um carro de dar corda, uma bola de futebol, um revolver com cartucheira, uma caixa com um jogo ou um quebra cabeça, um caminhão ou carro de Bombeiros, uma espingarda. E se fosse o meu grande sonho de consumo! Um trem elétrico puxa! Se fosse um trem elétrico eu prometi a mim mesmo que quando ficasse grande eu iria votar no Adhemar de Barros também.

Dia de Natal demorado aquele! Não chegava nunca, eu até então, jamais havia aguardado a chegada de um dia de Natal, com tamanha ansiedade e aquele domingo acabou virando uma obsessão, os dias levavam anos para passar, e eu estava irremediavelmente possuído de um verdadeiro TPN, (Transtorno do Presente Natalino).

Por fim, chegou o domingo por mim esperado, minha mãe descolou as duras penas, aquele famoso vil metal que hoje em dia é a principal causa da destruição de muita gente simples, como também de varias autoridades constituídas do nosso Brasil. Esse dinheiro seria usado por nós para o nosso transporte de ônibus. Que naquela época no bairro não era da CMTC ainda. Era um ônibus amarelinho que, naquele tempo, não circulava até o centro da cidade e transportava os moradores da Freguesia somente até o Largo Pompeia, lá era necessário pegar outro ônibus ou bonde, para alcançar o atual centro velho, que naquele tempo ainda era novo.

Naquele domingo ataquei de passarinho, as quatro da matina já estava acordado, em ação, e altamente motivado para junto à minhas irmãs, seguir rumo à sede do Governo Paulista, em busca dos presentes fartamente anunciados pelas rádios e jornais e pelo alto falante do diretório eleitoral do PSP do Bairro, ao som da voz sempre marcante pelo sotaque português, do querido e hoje saudoso Joaquim Fernandes.

Às seis da manhã em ponto (oi nóis no ponto) aguardando a chegada do esperado amarelinho, na época ir ao centro da cidade era para nós coisa tão rara como hoje em dia é, viajar para a Europa ou Disney, Quando o mesmo chegou eu já entrei disputando e anunciando para minhas irmãs:

-Eu quero ir na janelinha! Já que entrei naquele ônibus tendo a absoluta certeza que minhas irmãs também entraram, pensando exatamente essa mesma coisa. Ou seja, sentar do lado da Janelinha.

Saímos do largo da Matriz, pegamos a Av. Itaberaba, passamos em frente ao Cemitério da Freguesia do Ó descemos a Rua Javoraú até a altura do Largo do Clipper, ainda sem o cinema que lhe cedeu o nome, pegamos a Avenida Santa Maria, os imóveis, e as construções do bairro que na época já eram poucas foram ficando para traz, passamos por um lixão onde hoje em dia estão construídas as marginais do Tiete, e um posto de gasolina, atravessamos uma velha ponte de madeira sobre do Rio Tiete, passamos em frente a um grande terreno onde existia a torre de transmissão da Radio Cultura, circundada por um belo lago onde alguns adultos às vezes pescavam escondidos, já que havia em todo seu contorno, placas de aviso de pesca proibida.

Passamos em frente à Rua Comendador Souza onde até hoje esta localizado o campo do NAC, Nacional Atlético Clube, (grande celeiro de craques para o nosso futebol, assim como o Juventus e o antigo C. A. Ypiranga), atravessamos as porteiras da chamada Água Branca e depois de contornarmos o Largo Pompeia chegamos ao ponto inicial da linha, no finalzinho da Av. Pompeia esquina com Rua Turiassú ao lado de um enorme deposito de bebidas da Cia. Antárctica Paulista depósito este que há muitos anos não existe mais, assim como os armazéns da fabrica da (IRFM) Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo que na época ocupavam quase toda a extensão da atual Avenida Matarazzo.  

Estávamos ansiosos para chegar ao local eu nem percebi que o bonde já havia saído da Av. Francisco Matarazzo ultrapassado o largo Padre Péricles nas Perdizes, o viaduto Pacaembu e já estava em frente o Velho Circo Piolim na Avenida General Olímpio da Silveira, portanto já bem próximo ao final da viagem, o que aconteceu mais a em frente na altura da Alameda Glete, após termos ultrapassado a Praça Marechal Deodoro.

Desci do bonde lutando para se livrar de minha irmã, pois queria muito descer sozinho e sem ajuda de ninguém (coisa de menino que já se sente adulto) e fiquei pela primeira vez sozinho em cima daquelas ilhas que existiam no meio da antiga Avenida São João para facilitar a travessia dos pedestres e servir de plataforma para a subida e a descida dos passageiros dos bondes que circulavam pelo local.

Subimos a Glete em direção a Rio Branco rumo ao Palácio Campos Elísios, e pelo caminho notamos um grande movimento de crianças e adultos seguindo nessa mesma direção, e então no momento que aproximávamos do Palácio, as ruas foram ficando congestionadas e ao aproximarmos do local do citado evento, eu e minhas irmãs vimo-nos obrigados a pedir licença para seguir à diante.

Minha primeira impressão ao chegar ao local era que o mundo todo também estava por lá. Em 1947 a população paulistana estava um pouco acima de um milhão e meio de pessoas, hoje imagino que no mínimo umas cento e cinquenta mil cabeças circulavam no local, levamos pelo menos uns cinquenta minutos para achar o final da fila que dava umas três voltas ou mais, em torno do quarteirão do Palácio.

Quando conseguimos achar o final da fila já passavam das 10 horas da manhã eu já choramingava com sede e com vontade de ir ao banheiro, incomodo esse que passou a ser abrandado à medida que eu passei a notar que os meninos que estavam nos primeiros lugares dessa enorme fila, já transitavam de volta para suas casas com seus presentes, essa maravilhosa visão abrandou um pouco a minha sede, como também a minha vontade de ir ao banheiro, antevendo que meu sacrifício seria compensado, no momento gostoso de ter um daqueles presentes, que aqueles felizardos meninos portavam, também em minhas pequeninas mãos.

Aguardando horas sob um forte sol naquela imensa fila eu assistia cheio de felicidade, aquele maravilhoso desfile de meninos e meninas sorridentes e felizes, carregando bicicletas, bolas de futebol de capotão, patinetes, lindas bonecas, brinquedos a granel, que eu passei a suportar a tortura da sede e da vontade de fazer Xixi até ao meio dia, aí consegui me livrar não sem certa vergonha daquele terrível aperto, atrás de um caminhão estacionado na Alameda Nothmann, logo depois minha irmã conseguiu um copo plástico, e com ele foi pegar água em um bar estabelecido na ainda antiga e tímida. Avenida Rio Branco. O que para ela foi muito custoso, já que no bar havia uma multidão pedindo água e permissão para usar o banheiro, sentindo que tudo aquilo já estava caminhando para um grande tumulto, o proprietário além de não querer mais permitir o uso do banheiro, ameaçava prudentemente fechar o estabelecimento, fato que acabou ocorrendo um pouco depois com ajuda da Guarda Civil.

Perto das 13 horas estávamos chegando próximos ao portão principal do Palácio, eu já não via mais os meninos que passavam de volta para casa com grandes presentes, e sim apenas umas pequenas sacolinhas, por fim, perto das 14 horas depois de seis longas horas de sede, fome, atropelos e empurrões após atravessar um corredor de uns quinze metros formados por homens da antiga e simpática Guarda Civil de São Paulo, chegamos a enorme e esperada barraca de distribuição dos presentes do Governador de São Paulo.

Sobrou para nós, o resto de um grande banquete, uma bonequinha de pano, um saco de balas e um pequeno chocolate Gardano, para elas. Um saco contendo um caminhão de cinco centímetros, fabricados com um plástico mole imitando as rodinhas, mais meia dúzia de micros caminhões iguais, porem bem menores, um saco de balas, e um saco plástico contendo 10 bexigas coloridas. Foi o que me restou.

Mais tarde já mocinho, toda vez que via documentários cinematográficos de Urubus devorando restos de animais abatidos por leões na selva africana, me sentia como um deles.

Não preciso dizer que em 1957 dez anos depois, o meu primeiro voto assim como os das minhas irmãs, foram dados ao Jânio Quadros para governador, e em 1960 ao mesmo, para Presidente. Não por gostar do Jânio, mas para ser contra o Adhemar. (santa e alienada inexperiência).

E assim naquele "Lindo Natal" de 1947 eu as duras penas, acabei descobrindo, que os últimos aqui na Terra. Serão sempre os ÚLTIMOS MESMO. RSRSRS.

Nenhum pobre irá morrer ou sofrer, se não tiver um presente no dia de Natal.

Mas se ele ganhar algo que machuque seu orgulho de ser humano, fatalmente carregara esse trauma e essa frustração por toda vida.


Arthur Miranda (tutu)

 

DOMINGÃO, PERIFERIA...VAMOS A LA PLAYA




Hoje as cidades à beira mar não permitem mais, mas até 30, 40 anos atrás, lá, daqueles bairros onde o Judas perdeu as botas, os famosos "Jardins" - jardim isso, jardim aquilo -, nos domingos de madrugada saiam centenas de ônibus em direção ao litoral sul de São Paulo, em busca das praias, principalmente à Praia Grande, então semi-deserta e limitada entre o mar e o mangue. Aqueles eram tempos felizes, dos piqueniques bolados pelos times de futebol de várzea ou pelas Sociedades Amigos dos Bairros, organizações abnegadas e politicamente inocentes.

Felipetas, faixas, foulders, boca-a-boca; nos bairros não se falava em outra coisa:

- "cê' vai? No úrtimo cê' num foi!"

- "... tava durango kid, malandro! Meu 'borso tava' gritando de fome, minha cartêra tava cheia de teia de aranha...mas esse ano eu 'vô', craro; maloquei uma grana, todo dinheirinho que sobra 'dô' prá minha mãe guardá... a véia num é mole, é mão de vaaaaaca!..."

Outros eventos estavam sendo programados: batucada, cantoria, churrasco comunitário, bar (pinga com groselha, caipirinhas, meias-de-seda, batidas, cerveja, guaraná, salgadinhos, ovos cozidos e a maravilha das maravilhas: frango assado estufado, quase explodindo, com farofa apimentada...) e o indefectível jogo de futebol na areia, que a rapaziada precisava se mostrar prás "minas, prás bizutinhas", numa espécie de dança de acasalamento; muitos namoros, muitos noivados e casamentos tiveram esses piqueniques como ponto de partida ou como ponto de ruptura; muita briga, muito choro, muitas decepções - "juro por Deus! Nunca imaginei que o Joãozinho jogasse as tranças, cruz credo!" -, muita bebedeira:

- "Comadre, leva o compadre prá sombra, num deixa ele dormir no sór que pode dar um derrame e ele ficá 'ca' boca torta, ca perna bamba e com mão de gengibre... (...'magina, 9 e meia da manhã e o compadre já bebeu qui nem uma vaca...num vai nem 'proveitá a praia!')"

Pelo menos duas vezes por ano, praticamente, uma parte dos moradores do bairro descia a serra em direção ao mar, era de lei, tradição firmada; D. Jandira, esposa do presidente da Associação Amigos do Bairro do Jardim Paraopeba Mirim, se encarregava de reunir-se com as donas de casa para acertar detalhes do convescote (D. Jandira achava a palavra 'convescote' mais chic que 'piquenique'), acertar a logística - era uma honra enorme participar dessas reuniões, assunto para semanas seguidas na feira, nas casas, nas vendinhas, fofocas mil. Normalmente as reuniões eram marcadas com as mulheres na saída da missa das 10, missa rezada na capela de Nossa Senhora do Bom Parto, sob o beneplácito do Padre Zezinho, garotão recém saído do seminário, amor sonhado pelas mais afoitas - aliás a santidade e celibato do padre não duraram muito, acabou abandonando a batina e se amigou com uma das fiéis que, à boca pequena, dizia-se ter fogo no rabo desde sempre , fosse lá o que fosse ou isso significasse, mas essa história escandalosa são outros 500 mil réis, vai ficar prá outra ocasião.

Dois meses antes da data marcada para o "invento" - era assim que alguns pronunciavam a palavra 'evento' - as providências começavam a ser aceleradas: confirmação dos lugares vendidos, aluguel dos ônibus, aluguel de kombis para levar a parafernália de boteco, que a Associação precisava fazer dinheiro: a chapa, o fogareiro Primus, as garrafas de cachaça, o saco com limão galego, o açúcar, o vermute, a groselha, os copos plásticos, as barras de gelo em caixotes cobertos com serragem, os trempes para o churrasco, os cavaletes prá montar o 'barcão', os engradados de cerveja, tubaina, a lona de caminhão prá improvisar uma barraca...

Chegados da 'trampa', antes de irem cada um prá sua casa, os homens se reuniam nos bares prá molhar as palavras:

- "...precisa de ver quem vai jogar no nosso 'gôr' nesse piquenique; no 'úrtimo' casado e 'sortêro' o Varte tomou uns frangão nervoso"...

- "O Varte casô e engordô, ficô lento, num consegue ir nas bola"...

- A sorte é que o 'gortipa' dos sortêro tamém' num era lá aquelas coisa'...

- "É... mas num tem graça um jogo tão bêsta, os 'gortipa' 'ingulindo' frango toda hora... mas é "bão ansim" porque a gente num ganhemo mas tamém num perdemo: a gente empatemo!..."

- "Então vai 'sê' a 'nêga'..., güenta malandrage, quem pudé mais vai chorá menos!".

 

"MADRUGADA DE DOMINGO"

Finalmente chegou o dia. A praça em frente à capela está lotada de gente com sacolas, carrinhos de feira, som de rádios de pilha, programa do Zé Betio, modas de viola, batuque, o repinique chamando o samba. Faz frio, garoa um pouco...

- “Que porcaria, né”? Fez sór todos esses dias, justo hoje amanhece desse jeito...

- "...diz que quando chove aqui, tem sór lá em baixo! ...'cê vai vê... é só passá o sigundo túner que abre o sór..."

- ..."sei não... vamvê, né?... 'E essIs buzo qui num chega"...

- ..."diz que vai saí às 5... ainda é 4... tem tempo"...

Naquela madrugada os botecos e a única padaria do bairro não fecharam as portas, muita gente nem dormiu, ficou em casa zumbizando, vendo televisão, ouvindo radio, a esposa enchendo o saco do marido, o marido aporrinhando a esposa...

De repente fogos, salva de rojões na madrugada, buzinas de muitos ônibus chegando no largo da igreja, gritos de alegria, avisos aos berros:

"Corre, segura as criança, fica de olho nelas... Espera os ônibus 'pará'... eu quero ir na janelinha...", não faltavam as recomendações das mães e dos pais...

" Eu gosto de ficá na janela prá vê os 'principicio" na Anchieta..."

"Eu num óio, eu fecho ozóio! Dá um frio na barriga!"..

O SEGUNDO TÚNEL

O 'especialista' em meteorologia tinha razão e acertou em sua previsão Na saída do segundo túnel o tempo abriu e, lá do alto, a Baixada Santista se descortinou por inteiro: "'Alá' o mar, pessoar. Tem sór lá embaixo..., vai dar prá sargá o batebuzú..."

- "Óia os palavrão, Mané... tem criança no ônibus!"...

- "Discurpa pessoar... Num tá mais aqui quem falô!"

- "Num tá mais? Óia ocê aí! Si joga pela janela, Mané"...

- "Si joga ocê"...

PRAIA GRANDE

Dezenas de ônibus estacionados lado a lado, o mar em frente, crianças desesperadas para entrar n'água, mergulhar, furar as ondas:

- "Cuidado, cuidado! Vai junto 'cas criança'! 'Num vão pro fundão"!

- "...cê já viu a cor do mar? Um verde meio azulado... bonito, né? Dá vontade de mergulhar, mas não vai dar,.".

- Veio "procê"?

- Veio e ainda bem que veio...

- Ahn, sei...

O dia transcorreu normalmente na praia, se é que se pode chamar de normal um dia com briga de namorados, casos de insolação, falta de banheiros (que resultaram num entra- e- sai intenso do mato), crianças perdidas, arrombamento de ônibus e, consequentemente, objetos e roupas desaparecidos, briga de marmanjos na mão e, coroando tudo, a cereja do bolo, 3 afogamentos, com dois corpos desaparecidos, levados pelas correntes...

- Sabe quando vão achá esses difunto? NUNCA!

- ..."é como eu digo: o mar é perigoso, num pode abusá; os cara enche bem o bucho de rango e cachaça, entra no mar, dá uma 'digestão', uma crâimba, e acaba dançando ca mais feia"...

- Ainda bem que "dero por farta na hora de vortá prá vila, sinão tinha istragado o dia"...

- Diz que o Bira é um dos 'fogado', coitado...

- "Os pessoar da Associação é que vai tê de ficá prá resorvê os pobrema"...

- "Num quero nem sabê! Êles que são branco que se entenda"...

Na subida da serra, silêncio nos ônibus. Alguém olhando pela janela vê as luzes da Baixada e pensa lá com seus botões: "Quando sair o 13º, num vô falá nada prá ninguém, pego a grana, desço prá baixo, dô entrada num terreno na Praia Grande, encosto o material aos poucos e vou fazendo minha casinha...

A chegada foi em silêncio, quase 11 da noite:

- Agora só o outro, comadre... morreu gente, mas eu me diverti...chegá em casa, tomá um banhão e vamo prá caminha que amanhã é dia de preto!...

CASADOS X SOLTEIROS NO FUTEBOL

Num ganharo nem perdero, empataro!...

p/ Joaquim Ignacio