sábado, 7 de julho de 2012

Memórias de antigamente

Antigamente era um tempo, lá distante, nos primórdios dos anos 70, onde a minha vida de casado ainda não se estabilizara completamente. Os perrengues por falta do tutu eram, como aliás sempre foram, são e serão, nossa maior preocupação.
Ora muito bem, um belo dia prestes a ser despejado por “desequilíbrio financeiro na quitação mensal de alugueres”, depois de muito batalhar, consegui locar um novo imóvel. Era um apartamento no último pavimento de um prédio que havia sido construído de cima para baixo, ou seja, o último pavimento era, lógico, o primeiro, contando do final do barranco para cima. Apartamento novo, bem construído, na medida certa para um casal que não se importasse em ter o berço da primeira filha no próprio quarto.
Então, depois de longas entrevistas com o proprietário, satisfeitas as formalidades de locação, mudamos para a Rua Professor Pirajá da Silva, 141- apartamento 01. Eram poucas as nossas tralhas e não tivemos dificuldades em transportá-las até nosso apartamento. A vida seguiu em frente, ou seja, entre trancos e barrancos, fomos empurrando com a barriga e vivendo cada momento.
Como já informei, o prédio era construção nova, e, assim, poucas unidades das 8 existentes (contadas as duas erigidas nos fundos do terreno) estavam ocupadas.
Um dia, sentado em minha sala de cuja janela eu podia desfrutar da vista total da escada de acesso às  vi que uma mudança estava sendo processada para o apartamento contiguo ao meu.
Não tive contato com  meus novos vizinhos, mas através da “radio vizinhança” fiquei sabendo que ela trabalhava em salão de beleza, como manicure e ele era corretor de imóveis, soube também que tinham, como eu, uma única filha.
Passados os primeiros dias, nossos relacionamentos tiveram inicio, primeiro com pequenos cumprimentos, depois com algumas poucas palavras até se transformarem em verdadeiras amizades, as quais até hoje cultivo com imenso carinho, tendo me transformado, inclusive, no padrinho da terceira filha deles, muito embora já fosse pai virtual da primeira e padrinho reserva da segunda.
Agora entramos no verdadeiro âmago da minha narrativa. A primeira  filha desse casal, de nome Tereza Cristina e de apelido Pituca. 
Entre nós, desde o primeiro contato aconteceu uma empatia fantástica, e em contra partida minha filha Renata, única também  na época, se apaixonou pela Benilde, mãe da Pituca.
As duas meninas brincavam muito e brigavam demais. A troca de carinhos e de mordidas era fora do comum. No entanto uma não conseguia ficar longe das outra, e assim viviam, entre brigas e carinhos,  ora na minha casa, ora na casa ao lado.
A Pituca era tão enrabichada comigo que muitas vezes, depois de umas palmadas ou bronca de sua mãe, corria para perto de mim e declarava em alto e bom som que preferia ser minha filha.
E assim as coisas iam caminhando e nós, os pais, cada vez mais consolidávamos nossa amizade.
Certa vez, por motivo da visita de nossa prima Maria Elisa e de seu noivo o Wladimir, preparamos uma feijoada. Nossos vizinhos foram também convidados. O Rovilson, por motivo de trabalho, não poderia participar, mas a Benilde iria sim. Todos reunidos, antes da bóia, foram preparadas as caipirinhas de costume, que servidas começaram a ser consumidas.
O Wladimir, não sei dizer por que, num certo momento, descansou seu copo quase que totalmente cheio no beiral da janela da sala e foi para cozinha lá  permanecendo por um bom espaço de tempo.
Eu que também estava na cozinha, não sei por que, me dirigi à sala e lá chegando me deparei com a Pituca deitada no sofá, com o rosto muito pálido.
Choramingando ela pedia a presença da mãe que, por mim alertada, atendeu prontamente.
Começaram, então os palpites para tentar descobrir o que havia acontecido com a Pituca, “é fome”, “não, acho que o leite não lhe fez bem”, “foi isso” ou “será que foi aquilo?”  
Eis que,  senão, quando o Wladimir pergunta: Quem bebeu toda a minha caipirinha?
Pronto, estava descoberta a causa do mal estar da Pituca. Uma tremenda bebedeira.
Corre-corre da mãe e das visitas para levá-la ao PS onde foi medicada e voltou para casa curtindo tremenda ressaca.
Para concluir a aventura, nos os adultos fizemos um pacto moral de nada contar ao Rovilson para evitarmos problemas maiores e estresses demasiados.
Ele, que posteriormente viria a ser meu querido compadre, só veio tomar conhecimento dessa aventura “Pituqueana” muito tempo depois.
O fato até hoje é lembrado com um misto de susto e pilhéria, e se tornou parte efetiva de minhas Memórias de Antigamente.          

Por Miguel Chammas

3 comentários:

Luiz Saidenberg disse...

Essas coisas acontecem, Miguel. Certa feita, qdo nossos filhos eram pequeninos servimos vinho do porto às visitas. Minha filha interessou-se- Que é isso, papai?
- Vc não pode tomar. É ruim...
Ela bebeu o cálice à escondidas e comentou
-Papai, o RUIM é BOM...

Laru disse...

Com meu filho Marcello, 10 anos, na época, aconteceu a mesma coisa, Miguel. Enquanto conversava com amigos na sala, o Marcello foi 'secando' todos os copos de wisky que estavam sobre a mesa. De repente começou a rodar na sala até aterrisar. Ainda bem que o wiske era escocês, legítimo. Sua recordação é muito boa. Parabéns, Miguel.
Laru

Zeca disse...

Miguel!

Que gostoso ler as suas crônicas! Deixa a impressão de ter vivido a situação por você retratada, tantos são os detalhes e tão real é o clima que consegue criar!
Essas situações, até comuns em grande parte das famílias, acaba ganhando um sabor especial quando descritas pelo grande contador de histórias que você é.

Abração.