sábado, 16 de junho de 2012

Parabéns Myrtes e Márcia Ovando

Cerejinha

Era uma noite fria e minha mãe já havia nos chamado para o jantar, sempre muito simples, mas quando todos nós deveríamos nos reunir em torno da mesa, de nossa cozinha... Daquela casinha pobre, na Rua Umuarama, na Vila Prudente, onde vivíamos muito felizes.
Aguardávamos, ansiosos, a chegada de nosso amado pai de seu trabalho e foi com grande alegria que o recebemos. Seu sorriso gigante ao nos abraçar, mesmo estando exausto depois de um dia intenso de muito trabalho e tendo enfrentado o ônibus, recompensava-nos.
Naquela noite inesquecível ele trouxera os produtos que eventualmente retirava, como funcionário das indústrias Antárctica, na Mooca.
Uma garrafinha pequena e gordinha, verde clarinho, chamou minha atenção. E meu pai, percebendo nossa curiosidade e sempre querendo nos agradar, nos perguntou o que era aquilo e acrescentou: quem adivinhar o que é vai ganhar agora. Foi um grito só: REFRIGERANTE!
Mesmo com minha mãe ralhando, dizendo que não poderíamos tomar nada naquela hora, pois estava frio, meu pai foi distribuindo as garrafinhas, já com o abridor de garrafas nas mãos, enchendo nosso coração e nossa alma com muita alegria e nossos estômagos com aquele líquido avermelhado, doce e mágico: CEREJINHA.
Jamais, em toda a minha vida, pude experimentar sabor igual aquele. Mas, o que nunca mais poderei esquecer, são os olhos de meu pai, cheios de alegria, vendo seus filhos saborearem aquele refrigerante, pois não era sempre que tínhamos estas iguarias em casa.
Que Deus abençoe meu pai e minha mãe, onde eles estiverem, lá no céu!
Muita paz!

Por Sonia Astrauskas

Eu nasci em 1948. Minha infância ocorreu durante a década de 1950, cujo ponto alto para a nossa amada cidade, foram as comemorações do IV centenário de São Paulo em 1954.  Com projeto de Oscar Niemayer e paisagismo de Roberto Burle Marx, foi entregue à população de 2,5 milhões de pessoas, o Parque do Ibirapuera, que se tornou a maior referência do estilo de vida da já então maior metrópole da América Latina. As comemorações foram grandiosas por simbolizarem o crescimento econômico da cidade durante a primeira metade do século passado, sinalizando a grandeza da mesma no futuro.
Mas em casa as coisas corriam da mesma forma (creio que na maioria das casas foi igual) de sempre. Comprávamos o leite em garrafas de vidro que eram reutilizadas, o pão e a carne vinham embrulhados num papel cinzento e resistente, que seria reutilizado para outros fins, inclusive para escrever e desenhar. Cervejas e refrigerantes, geralmente comprados apenas nos finais de semana ou datas especiais, vinham em garrafas igualmente reutilizáveis. As compras (embaladas em saquinhos de papel ou até em folhas de jornais já lidos) eram feitas nas vendas, nos armazéns, nas quitandas e nas feiras livres – não havia supermercados! – e carregadas em sacolas de lona, pois não havia as sacolas plásticas que hoje se espalham por todo o planeta. Em casa, todas as semanas, passava um peixeiro que trazia peixe fresco e um verdureiro que trazia verduras e legumes plantados por ele. Ambos vinham em carroças puxadas por burros, cujo estrume era recolhido por nós e misturado a outros detritos, numa cova no fundo do quintal, para transformar-se em esterco.
Naquela época, de antigas tecnologias, costumávamos ter problemas com o fornecimento de energia e o abastecimento de água, o que fazia com que as famílias se habituassem a economizá-las, até mesmo porquê o preço desses serviços não era muito barato. E a água – não sei se adequadamente tratada ou não – tomávamos diretamente da torneira ou de moringas de barro. No máximo, tiradas de um filtro de barro, com velas filtrantes, geralmente das marcas São João ou Sallus. Em casa tínhamos um da São João.  
Diversão eram os passeios em família, um espetáculo de circo quando um deles se instalava perto de casa ou um cineminha de vez em quando. Para os jovens, os bailinhos de finais de semana e olha lá. No dia a dia eram as conversas ou as brincadeiras com os vizinhos, nas calçadas em frente às nossas casas. Televisão era um luxo e, mesmo assim, com horário estipulado pelas emissoras. E as famílias que podiam ter um aparelho de televisão em casa, tinham apenas um, instalado na sala para uso comunitário da família e, geralmente, dos vizinhos também.
O mesmo acontecia com o rádio, que era um em cada casa e os programas ouvidos por todos juntos. Falando nisso, naquela época, se houvesse, era uma tomada em cada cômodo da casa, já que mais do que isso era desperdício já que não havia aparelhos elétricos para tanto.
As fraldas eram feitas de tecido e, não sendo descartáveis, eram lavadas e secadas em casa mesmo. As crianças mais novas usavam roupas e calçados que haviam pertencido aos seus irmãos mais velhos. Ou então as roupas eram transformadas em outras, tanto para as crianças quanto para os adultos. Não havia o consumismo desenfreado de hoje, onde crianças e jovens só se satisfazem com calçados e roupas de grife.
Telefone? Dificilmente se podia ter um aparelho em casa. E quando tinha, era usado apenas para assuntos importantes ou urgentes. As ligações eram caras, difíceis de serem completadas e geralmente com muito chiado e estalidos durante as rápidas conversas.
O mesmo acontecia com os automóveis. Nem todas as famílias podiam ter um e quem os tinha, usava com parcimônia, geralmente para os passeios familiares nos finais de semana ou férias – também com a família - anuais.
Andava-se a pé para as compras que, geralmente eram feitas próximo de casa. Quando necessário, usava-se ônibus ou bonde.
Meu pai fazia a barba com um aparelho Gillete – não descartável como os de hoje - e creme de barbear Bozzano. Barba feita, passava Acqua Velva no rosto e estava pronto para mais um dia! Se havia barbeadores elétricos ele não possuía um. E eu sonhava com o dia em que, como ele, faria a mesma coisa! Mal sabia o quanto é chato esse negócio de ter que se barbear diariamente! 
E a criançada ia a pé para a escola, pois as mães nem ao menos sonhavam em aprender a dirigir, quanto menos possuir um carro para levar os filhos para onde precisassem ir! As pessoas também estavam acostumadas a subir e descer escadas, já que não existiam escadas rolantes nas lojas, nos bancos ou nos pequenos prédios com poucos andares. Aliás, a primeira escada rolante da cidade foi a da Galeria Prestes Maia, não tenho certeza se no ano do IV Centenário ou no ano seguinte. Elevadores? Só para os arranha-céus.
Havia alguns eletro-domésticos, mas a maioria das famílias também não os tinha em suas casas. Assim, os bolos ainda eram batidos a mão e parece que assim ficavam mais fofos do que hoje. Mas talvez isso seja fruto do saudosismo!
Um dos meus maiores objetos de desejo quando fazia o curso primário era uma caneta tinteiro Parker que, para minha alegria, ganhei no Natal quando passei do segundo para o terceiro ano. A caneta era reenchida de tinta e não era descartável como a infinidade de marcas – a partir da Bic – que existe hoje.
Quando completei meio século de vida, tudo isso estava totalmente mudado! Creio que, em tempo de “História”, foi o período mais curto que abarcou tantas e tamanhas mudanças! Já estávamos tomados pela “febre do plástico”! Tudo começou com a invenção da baquelite que desencadeou o surgimento de diversos materiais plásticos, até chegar ao náilon, isopor, vinil entre outros. A partir da década de 1960, os materiais plásticos foram invadindo nossas vidas, provocando uma revolução de usos e costumes. O plástico entrou nas roupas, nas embalagens, no lugar de chapas de ferro e até de aço e, principalmente do vidro. Hoje um dos maiores problemas do meio ambiente são as sacolas plásticas (usadas para embalar todo tipo de material) e as garrafas pet que embalam praticamente todo tipo de refrigerante e água. Mas, mesmo com os enormes problemas de descarte desse material, sabemos que é possível reciclá-lo. E novas pesquisas sobre biopolímeros podem permitir a produção de novos produtos bioplásticos, de fontes renováveis e biodegradáveis. Menos mal!
Se precisamos ir até a padaria, tiramos o carro da garagem (existe mais de um carro em cada família) e não andamos mais a pé. Elevadores, escadas e esteiras rolantes existem aos montes, ajudando-nos a não andarmos e não queimarmos gorduras e energia. O eu, aliás, está se tornando um problema para a saúde pública, com a obesidade tomando conta da maioria da população.
Hoje os litros de leite da minha infância viraram objetos de antiquários. A maioria das cervejas e refrigerantes - consumidos em larguíssima escala - é embalada em latas ou em plástico. A água que bebemos vem geralmente de garrafões plásticos que compramos e são entregues por motoboys. Roupas, calçados e outros itens de uso corrente são praticamente descartáveis. Grande parte dos alimentos são comprados pré-prontos e embalados em plástico. Supermercados e hipermercados existem por toda parte, vendendo coisas que, muitas vezes, nem mesmo sabemos para que servem. Feiras livres sobrevivem em alguns lugares, assim como, mais raramente, alguns armazéns e quitandas. Carroceiros vendendo peixes ou verduras? Nem pensar!
Se fosse continuar, este texto poderia não ter fim, tamanha é a velocidade da tecnologia que muda a todo momento, apresentando-nos novidades que geralmente não temos tempo de conhecer nem nos habituarmos, devido às que aparecem em seguida. E a sociedade moderna, finalmente se conscientizou de que todo esse “progresso” não nos deu tempo de planejar o que fazer com tudo isso! E o meio ambiente se degrada na mesma velocidade, dando indícios de que, se nada for feito imediatamente, haverá um momento em que a própria Terra, saturada, dará um “basta”! Assim é que vemos, aqui e alí, pessoas conscientes de tudo isso se preocupando e retomando velhos hábitos, como alimentos orgânicos, utilização das antigas sacolas de feira e reciclagem! Tudo o que já se fazia em 1950!
Recebi um e-mail por estes dias, que era algo como um “desabafo de uma velha senhora diante da onda verde”. Não o repassei. Mas fiquei com o texto martelando a minha cabeça até que, hoje, resolvi escrever este meu depoimento. Que me perdoe a velha senhora... posso – e com razão – ser acusado de plágio! Mas prefiro dizer que se trata mesmo é de reciclagem... hehehe.

Por Zeca Paes Guedes