segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Eu vi... Estou vendo...

1554 – 2012 = 458 anos de vitórias incontestáveis.
Eu vi esta portentosa cidade nascer...
A primeira visão que guardo em minhas lembranças, foi seu perfil horizontal. Do meu bairro, o Braz, vislumbro, como um campo coalhado de foguetes esperando o “start” pra subirem, tentando alcançar a estratosfera do progresso. O único que foge, em altura das estruturas verticais é o prédio do Martinelli. Isso em 1932.
Alguns anos depois, quando passo a fiscalizar seu desenvolvimento, São Paulo está estacionado, parado com sua vida acalentada por manhãs fresquinhas, tardes ensolaradas e noites frias, umedecidas por garôas auspiciosas e românticas. Quietude completa, estações de rádio encerrando suas programações as duas horas da tarde, mulheres estendendo suas roupas lavadas e co aradas, garotadas brincando na rua Assumpção, pasmaceira total. De repente, assinalados por um observador extra-terráqueo, a cidade desperta, como que dizendo: “Olhem, estamos sendo observados, analisados, não podemos titubear...”

EU VI, na inocência dos primeiros anos de aprendizado, olhava e dizia pra mim: “Esta cidade de São Paulo não pode continuar assim”. Arregacei as mangas de minha tosca “ganeta” (camiseta) e gritei, com tudo o que meus pulmões podiam suportar: “Pessoal, vamos acordar, vamos chegar lá, vamos progredir e isso só se consegue trabalhando”. Comecei a fazer as devidas comparações, confrontando, primeiro com a “Gotham City”, (eles tinham o Batman e nós, não). Tinham Namor, o Principe Submarino, o Superman, depois ganharam o “Spirit”. Aí acordei, aquilo tudo era ficção mas, em população, perdia-mos pro Rio. Não demorou muito, passamos o Rio, depois o México, depois New York, Chicago, na América do Sul somos imbatíveis, os edifícios se alastram, multiplicam, bairros inteiros aparecem do nada, primeiro em televisão, em metrô, aeroportos movimentadíssimos, (o maior das Américas, do Sul e a Central), super avenidas, viadutos se cruzando em todas as partes, como se fossem montados por uma criança “gigantesca” com partes sobrepostas, finalizam a construção em tempo que levariam, se fossem utilizados os critérios antigos, 4 a 5 vezes muito mais do que a moderna engenharia paulista, exibindo ao mundo a mais avançada técnica. Vejo, agora de onde moro, zona Oeste, há pouco mais de 40 anos, incalculável crescimento, estasiando o mundo, a vertiginosa explosão da população com representantes de todas as raças, nacionalidades, etnias, religiões as mais exóticas do mundo, confirmando a acertiva de que ao mesclarem raças, se consegue um perfil diferente e bem superior aos seus indivíduos que a originaram.
ESTOU VENDO... São Paulo, magnífica cidade amorosa, piedosa, oportuna, gigantesca na sua humildade, soberba no acolhimento de trabalhadores, visionários e aventureiros, impactante na seleção dos que trabalham e crescem com ela. E vamos continuar vendo esse progresso, essa opulência, esse desejo incontrolável de ser a maior do mundo. E VAI SER...
 PARABÉNS, SÃO PAULO, DE ANCHIETA, DE NOBREGA, SALVE 25 de janeiro, 1554 = 2012 - 458 ANOS DE SURPRESAS – MIL.
Por Modesto Laruccia

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sonhos de uma tarde de verão

imagens montadas pela moderadora do blog

No último dia primeiro de janeiro após saborear um saboroso nhoque "al sugo", uma boa fatia de tender com pêssego em calda, maionese de palmito e, como sobremesa, manjar branco com ameixas pretas, tudo isso regado a boas doses do "Lambrusco" bem gelado, saí da mesa de almoço e fui curtir a belíssima tarde, na rede que estava estendida no alpendre da casa que meu cunhado mantém na cidade de Boituva...
Logo adormecí e sonhei que o nosso grupo estava de viagem marcada para a Itália, onde iríamos realizar a nossa costumeira reunião de confraternização anual.
Estávamos todos no aeroporto de Cumbica, aguardando a hora do embarque e o Modesto chegou em cima da hora com a Myrtes reclamando do trânsito. Depois de cumpridas as formalidades legais, fomos todos para a sala de embarque enquanto o Miguel ultimava os preparativos para despachar os pacotes contendo os presentes para a cerimônia do "Amigo Secreto".
Na sala de espera uma pessoa folheava o jornal "O Estado de São Paulo" e, por curiosidade, dei uma vista d’olhos na manchete da primeira página e lá estava escrito, em letras bem visíveis: "Embarca hoje para a Itália a delegação do "Memórias de Sampa" onde realizarão a sua reunião de confraternização (pág. 2)".
Finalmente embarcamos no avião da Alitália.- Chegamos à Roma por volta das 07:00 horas da manhã, sob uma temperatura de 4 graus. Enquanto esperávamos a chegada das malas na esteira, dei umas voltas pelo saguão do aeroporto de Fiumiccino. Em uma revistaria estava exposta uma edição do "Il Corriere della Sera"... Lá, na primeira página, estava a seguinte manchete: "Sbarcherá a Roma oggi una delegazione di "Memórias de Sampa" per la reunione annuale di Natale". Após passarmos pelas autoridades italianas, chegamos ao salão de saída, onde um representante da agência de viagens nos aguardava para conduzir-nos ao hotel. Estava também o nosso companheiro do SPMC, Giuseppe Orsini, que veio especialmente de Gênova para nos dar as boas vindas e se incorporar ao grupo. À noite, seríamos recepcionados por um membro da Prefeitura de Roma que, por coincidência, mantinha um site quase igual ao nosso SPMC. O encontro seria no restaurante "Open Baladin", na Via Degli Specchi, 6, onde poderíamos saborear mais de 150 tipos de cerveja artesanal produzidas por fazendeiros da Toscana.
Mas, no momento em que íamos embarcar na Van que nos levaria ao Hotel, fui despertado por minha netinha... A tarde ia caindo lentamente, uma chuva fina caía intensamente e o cheiro de mato impregnava o ar. Fiquei chateado por não poder completar o sonho, mas no fundo, tive uma pontinha de esperança... Quem sabe num futuro próximo a gente possa realizar este sonho?
Vamos ter fé e, quem sabe, Deus nos conceda mais esse momento de alegria, Um abraço a todos.
Por  Leonello Tesser (Nelinho)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Carnaval de criança

Faltavam poucos dias para o carnaval e minha mãe costurava as roupas que iríamos usar no carnaval.  Nada de fantasias caras, mas lembro da calça de pescador colorida e da blusa regata feita de tecido branco com detalhes coloridos de sobras que ela tinha em casa. Tudo era muito simples, mas para mim era a fantasia mais linda de todas.
A ansiedade era grande quando o carnaval finalmente chegava, pois não sabíamos se meu pai iria nos levar em algum salão do bairro da Penha.
Após o almoço, minha mãe é que nos dava a noticia. Que alegria quando a resposta era positiva. Logo a turma da rua e mais alguns primos estavam prontos na esquina de casa, nosso ponto de partida. Meu pai contava um a um, porque, além de tomar conta, era ele que financiava os ingressos para todos.
De fantasias feitas em casa e colares de flores no pescoço, pés, se não me engano alpargatas coloridas. Sacos de confetes e serpentinas pendurados no ombro e um sorriso de ponta a ponta, fazíamos o percurso até o salão escolhido pelo meu pai.
O destino era o Penha Palace, um cinema no Largo Oito de Setembro, que se transformava em um salão carnavalesco ou então o Clube Esportivo da Penha cuja quadra de esportes era enfeitada para o grande baile. Para nós crianças não era tão importante o local, mas a felicidade que sentíamos ao frequentar a matinê do baile de carnaval.
O salão era dividido por idades e separado por cordas, mas isso não atingia minha turma, pois éramos todos da mesma idade.
O grito de abertura com aquela marcha nos emocionava e isto bastava para acendermos nossas luzes e quase pegar fogo. Rodávamos, pulávamos e cantávamos alegres, sem parar, de mãos dadas ou não naquele limite do salão, as mais  lindas canções daquela época.
Por fim, depois de quatro horas, novamente a marcha de encerramento, é chegada hora de partir. Como passava rápido!
Com faces totalmente rosadas e encharcadas de tanto suor, atravessávamos o largo oito de setembro, subíamos à ladeirinha, um pouco só na Rua Dr. João Ribeiro e já estávamos na Rua Antonio Lobo, a rua lá de casa.
Lembro que meus pais também iam ao salão, minha mãe, linda de nome e de alma, usava um vestido tipo tubinho bem colorido, colar no pescoço e pintura bem forte. Meu pai, camisa colorida, colar de flores no pescoço e um chapéu de palha na cabeça.
Pendurados no ombro estavam os sacos de confetes e serpentinas e nas mãos os tubos de lança perfume, um prateado e outro dourado.
Que época gostosa, nem se passava pela cabeça os perigos do lança perfume, e nunca ficamos sabendo de brigas ou mal entendidos no salão ou fora dele, pelo menos lá no meu bairro.
Guardo só alegria desta época e destes momentos que fizeram parte da minha infância e que tenho fotografado na memória, com certeza hoje são vistos com as lentes da emoção e o que outrora foi alegria, hoje mareja meus olhos de saudades.     
Com o tempo o carnaval tomou outros rumos e hoje as escolas de samba dominam com muito charme, arte, beleza e muita criatividade. As crianças continuam fazendo parte da festa, embelezam os novos tempos e geram novas emoções.
Assim fazemos a historia, marcada pelas nossas emoções de ontem e de hoje. Que os pincéis da alegria , neste carnaval, usem as cores do amor , do respeito, da humildade, da tolerância e tudo mais que for necessário para que todos possam se divertir como merecem.
Por Margarida Peramezza

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Os carnavais de minha infância

imagens retiradas da internet

Antigamente (ponha antigamente nisto), havia o Carnaval nas ruas e nos clubes.
Lembro-me bem... Era criança ainda, devia ter 7 ou 8 anos, morava um casal de irmãos na minha rua (a irmã tinha o apelido de Dona Miloca e o irmão, nós - as crianças - o chamávamos de Seu Miloco). Ele era a nossa paixão. Um Sr. "muito velho", devia ter uns 50 anos, gordo, baixo, barrigudo e que nós adorávamos. Quando se aproximava o Carnaval ele nos chamava e, lá no seu jardim, podíamos escolher confete, serpentina, um vidro de lança-perfume ou um frasco dourado do mesmo produto e um recipiente com um líquido vermelho que podíamos atirar nas roupas das pessoas, aparentemente manchando a roupa e quando secava, parecia que havíamos atirado água (não ficava marca nenhuma). Acho que se chamava "sangue de diabo".
Nossa festa, então, começava uma semana antes. Naquela época as férias terminavam no dia lº de março. Tínhamos, então, 3 meses de férias para brincar de roda, esconde-esconde, amarelinha, tamborete, queimada, chutar bola com os meninos, andar de bicicleta, fazer piquenique no Parque D. Pedro II (sem nossos pais saberem) e, na última semana que antecedia o Carnaval nos transformávamos em “mocinhas anãs”. Depois que tomávamos banho, não nos sujávamos mais... Jantávamos e íamos passear na Av. Rangel Pestana onde havia o famoso "footing", em que moços e moças paqueravam. Ah! fazíamos uma "vaquinha" e comprávamos "batom" e todas usávamos, sentindo-nos moças e andando como tais!
Nosso objetivo não era paquerar, namorar. Queríamos, era, acertar lança perfume nos olhos das nossas inimigas, jogar confete na boca delas quando gritassem e atirar o Sangue de Diabo na roupa "novinha" delas. Isso geralmente acontecia na entrada "bem grande" do cine Piratininga, onde tinha umas colunas imensas - com um diâmetro enorme, onde podíamos nos esconder. Além disso, o chão era escorregadio e deslizávamos como se estivéssemos de patim. Era um Deus nos acuda para "pais e filhas", devido às diabinhas que éramos nós.
Éramos destemidas porque sabíamos que o Sr. Miloco estava por lá e, quanto mais bagunçássemos, ganharíamos outra leva de produtos carnavalescos. O medo que meus pais soubessem o que eu "aprontava" fazia com que eu fosse muito rápida e as pessoas mal notavam minha presença. Só uma vez meu pai ficou sabendo e eu fiquei uma semana de castigo... ah! como eu chorei!
Nos dias de Carnaval pegávamos o "bonde andando". É esse mesmo o sentido: púnhamos calça comprida, pegávamos o bonde quando ele virava na esquina da Vasco da Gama para a Av. Rangel Pestana e íamos fugindo do cobrador (porque não tínhamos dinheiro para pagá-lo). Éramos tantas... que ele se confundia e já não sabia quem havia pago ou não!
Quando chegava à noite, já nos dias de carnaval, ficávamos na beirada da calçada para jogarmos lança perfume e sangue de diabo no pessoal que participava dos corsos.
Pena que isso durou até eu fazer 11, 12 anos... Eu já estava tão alta que parecia a irmã mais velha das minhas amigas! E tínhamos a mesma idade!
Agora é que eu estou pensando... Não lembro que houvesse chuva nas férias! Ela era todinha constituída por dias felizes, ensolarados, céu azul e noites estreladas.

Por Lia Betariz Ferrero

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Memórias Videntes

Sou um rebento que veio ao mundo no seio de uma família Católica Apostólica Romana e, por isso, sem ser consultado, fui batizado na Igreja Católica.
Na religião que me foi “imposta” cresci, fui membro da cruzada infantil, coroinha e congregado mariano. Vivi parte de minha vida infanto juvenil dentro da Igreja.
Afastei-me da Igreja mãe quando, usando da inteligência, comecei a contestar dogmas que me queriam enfiar goela abaixo, e fui buscar minha crença em outras freguesias. Fui macumbeiro, umbandista, espírita, e tudo quanto me viesse ser apresentado como religião ou coisa que o valha.
Mesmo na época de inconteste catolicismo, passei por experiências bastante estranhas. Via coisas que ninguém mais enxergava, percebia movimentos que ninguém percebia, e toda vez que comentava tais coisas era recriminado, me mandavam rezar algumas orações e esquecer o ocorrido.
Na verdade eu era uma pessoa vidente. Era, por que com o tempo passando célere, as minhas vidências foram se esgotando, ou melhor, se afastando.
Certa ocasião, ainda na Rua Augusta, eu dormia tranquilamente quando, sem mais nem menos, acordei gritando e chorando. Acudido por minha mãe, eu dizia a ela que não queria que meu avô Gido morresse.
Ela, para me tranquilizar, tentava mudar o rumo da conversa e eu não permitia, continuava afirmando que não queria a morte de meu avô, mas que ele iria morrer.
Dias depois, meu avô, que já vinha com a saúde debilitada, faleceu. A premonição de sua morte ficou gravada em minha lembrança para todo o sempre.
Noutra feita, próximo ao dia de finados, fui com minha mãe, como de costume, até o Cemitério São Paulo visitar o túmulo de alguns parentes dela. Depois das visitas, ganhamos a rua pela saída lateral desse cemitério, que ficava ao lado da Igreja do Calvário, na Rua Cardeal Arcoverde.
Minha mãe, religiosa, resolve subir as enormes escadarias da igreja para fazer mais algumas orações. Subimos e, ao adentrar a nave da igreja, do lado direito, no primeiro altar secundário, acondicionada numa vitrine de vidro, estava a imagem de Jesus Morto, que eu por tantas e tantas vezes já havia visto. Porém, nesta ocasião, ao aproximar-me do altar, vi clara e nitidamente a imagem abrir os braços para mim como se quisesse me abraçar. Ante a experiência inédita, não tive a menor dúvida, soltei o maior berro que ecoou fortemente por toda a igreja que, naquela hora, estava completamente vazia.
Foi um “pega prá capar”; minha mãe me acudindo, o padre correndo para saber o  que havia acontecido,o sacristão me trazendo um copo de água.
Resumindo, depois de narrar a ocorrência ao senhor padre, ouvi dele uma tremenda bronca por considerar minha mente imaginosa e desrespeitosa.
Continuei, agora cada vez mais calado, a ter minhas experiências de vidência. Passei a estudar matérias escolares dentro do Cemitério da Consolação e do Araçá e, por várias vezes, tive a certeza de estar sendo protegido e auxiliado por irmãos já desencarnados.
À medida que fui crescendo, tais ocorrências foram diminuindo, até se extinguirem por completo.
Hoje, nada mais consigo enxergar do mundo espiritual. Bem que gostaria ter meus sentidos novamente aguçados.
Por Miguel Chammas

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Agradecimento

Sonia, querida, se você puder colocar este texto no Memórias, eu lhe agradeço.

Na memorável noite de 10\02\2012
Sonia, faço você portadora de meus sinceros agradecimentos a todos que compareceram, até com sacrifícios, e aos que não puderam, também... Ficamos eu e a Myrtes, lisonjeados pelas lembranças e pelo carinho com que todos nos receberam.
A bem da verdade, sem invalidar esse gesto que partiu de você e de Miguel, como disse a pouco ao Navarro, se não me julgo merecedor desses encômios, vou procurar me adaptar aos conceitos emitidos ao casal, Myrtes e Modesto e levar uma vida mais sadia e melhor, com a saúde que Deus nos há de oferecer.
Quero levantar daqui, de meu tranquilo lar, um apelo a todos vocês, que sejam felizes como sou até agora, com minha companheira que, de resto, é a principal responsável pelo alcance de meus oitenta anos.
Uma feliz e saudável existência a todos. Nunca vou, nesta vida e na outra, se Deus quiser, esquecer a noite maravilhosa de 10\02\2012.
Um beijão a você e ao Miguel e um forte abraço a todos.
Muito obrigado.



Laruccia

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Na trilha dos elefantes perdidos.

Como começam os contos de fada, era uma vez, num tempo já muito distante, um palácio oriental, cheio de estátuas e arabescos. Coisa das Arábias, das Mil e Uma Noites, ainda que ficasse em Santa Cecília, próximo ao Centro de São Paulo.
Era como se fosse o Taj Mahal, a Shangri-Lá dos cinemas paulistanos. Não importava o filme, embora geralmente fossem muito bons, a sala de espetáculos já era um espetáculo, em si mesma.
O Cine Santa Cecília.
Várias vezes escrevi sobre ele, e assim também outras pessoas, às vezes com versões bastante fantasiosas.
É natural... Seu ambiente estimulava mesmo a imaginação e, embora há muito não mais exista, sua lenda eternizou-se.
Um fato é indiscutível: tinha, em sua sala de recepção, uma grande mesa central, com grandes patas de elefantes. E seus bancos laterais tinham, como descanso de braços, cabeças de elefante, também com suas patas como pés. E indiscutíveis, ao menos para mim, na plateia, suas estátuas de guerreiros tailandeses, cujos olhos fosforescentes, ao som de um gongo, apagavam-se ao iniciar-se a projeção.
Um belo dia, não tão belo assim, o sonho acabou como começara. As estátuas ferozes cerraram, pela última vez,seus olhos luminosos, os elefantes foram sepultados por escombros e poeira, e fez-se um grande silêncio, de espanto e consternação.
E então, acabou-se a história ? Caso encerrado? Não de todo. A gente que lembra, não pode deixar sepultado o tema, e escreve. Então, por sorte, muitas vezes encontra eco, não está clamando no deserto.
Notícias aparecem; os elefantes de mogno não foram sepultados, nem mesmo se reuniram, em seu último adeus, num cemitério de paquidermes.
Como mamutes, foram temporariamente congelados, mas a seguir resgatados. Recebi deles notícias por meu caro Atilio Santarelli, autor de um belo blog de cinema:
Os bancos laterais do Santa Cecília foram por ele vistos, no desativado Cine São Geraldo, na Penha, em 1994. Antes, estiveram armazenados no Cine Universo, também do Circuito Serrador. As proporções eram mesmo mastodônticas: os bancos, forrados em courvin vermelho, tinham 4 m de comprimento e os descansa braços elefantinos estavam em perfeito estado. Elefantes vermelhos, e de tamanho correspondente.
Foram até ele, oferecidos por Vanderlei Cepeda, curador desses bens, mas, onde colocar os monumentais móveis? Eu também não teria lugar.
Conclusão: os elefantes, em obediente manada, rumaram para a fazenda do Sr. Cepeda, e espero um dia vê-los e fotografa-los.
Como na Sibéria, os mamutes voltam a se expor à luz do dia!




Por Luiz Saidenberg

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Os Senhores do tempo

Conto aos amigos uma história.
Os doze sábios reuniram-se no grande salão para determinarem a contagem do tempo.
O primeiro deles sentou-se à cabeceira e ordenou a posição dos demais. Passada esta fase, estabeleceram o nome de cada um e iniciaram a divisão do tempo.
Por termos 365 períodos, disse o presidente que se chamou janeiro, podemos dividir naturalmente entre nós de modo a que fiquemos com 30 contas cada um. Dos cinco que restam podemos dividir entre nós e, já que estou à cabeceira da mesa, reclamo para mim uma conta adicional pulando cada um de nós de sorte a que os cinco sejam distribuídos.
E assim fizeram: Janeiro ficou com trinta e um; deixaram o segundo, que foi denominado Fevereiro, com os mesmos trinta, deram um ao próximo, pularam o seguinte, até terminarem as cinco contas restantes. Porém o oitavo participante não concordou em ficar apenas com trinta e reclamou para si uma conta adicional, no que foi acompanhado pelo décimo participante e pelo décimo segundo que, por representar a conclusão do ciclo, também se julgou no direito a uma conta a mais. Como eram cinco adicionais e precisavam de sete, houveram por bem deixar o segundo membro mais enfraquecido e lhes retiraram duas contas, passando este a ficar com miseras vinte e oito unidades.
Descobriram depois que pequenos pedaços ao longo de algum tempo geraria uma nova conta. Resolveram então que estes pequenos pedaços seriam dados a fevereiro que as juntando teria, em certo tempo, uma nova conta. Definiram que o período inteiro seria denominado ano e cada conta, denominada dia.
Todos concordes, missão cumprida, retorna janeiro, o presidente da assembleia, e oferece a palavra a quem quiser se manifestar.
Em principio houve silêncio, mas, quase no derradeiro instante, fevereiro se pronunciou.
“Senhores, eu vos agradeço pela acolhida e escolha a mim reservadas. De início, me colocastes ao lado do presidente da mesa e me destes o nome mais pomposo. Torna-me ele o mais imponente e mais respeitado dentre todos. Os escribas terão mais cuidado em escrevê-lo e tomarão de si mais tempo para fazê-lo.
Colocaram-me nesta segunda cadeira, onde Aquário, o signo dos gênios, mestres e inovadores, vai permanecer por mais tempo, todos os períodos do tempo, a cada 365 deles.
Esta segunda distinção, por si só, tornar-me-ia o mais afortunado entre todos.
Mas, não é só isso. Lembro-vos que, no Hemisfério Norte, eu abrigarei as futuras flores. Em mim elas irão se transformando para que, ao alvorecer da primavera, possam encantar a humanidade e oferecer  aos insetos e pássaros, o sustento ao árduo trabalho destes. E no Hemisfério Sul? Estarão os frutos hibernando, encorpando-se, para que, ao outono, possam não só alimentar toda espécie de vida existente no planeta, como também proporcionar as novas sementes perpetuando a vida de todos.
Eu vos agradeço senhores pela acolhida e o espaço a mim reservado. Serei o menos aquinhoado na quantidade de dias, mas resplandecerei em qualidade. Modestamente, e sem desmerecer nenhum de vós, serei o melhor de todos.
Os sábios se entreolharam e emudeceram. Ninguém mais usou da palavra, pois nada mais precisava ser dito. Mudos, retiraram-se todos.
Mal sabiam eles que, um dia, as palavras daquele sábio seriam concretizadas.
No quinto dia, num determinado ano da quarta década do século iluminado, nosso amigo confirmaria o que foi ouvido naquela assembléia.
Nasceu do amor como todos, caiu e sofreu intempéries como tantos; ergueu-se e venceu como poucos.
Correu o mundo, encantou-se com a história, reescreveu a vida, a sua e de tantos a seu redor.
Ao seu lado, personagens desfilam sempre alegres, pois apenas refletem o que recebem. O gesto largo, a voz amiga.
Reuniu e reunirá sempre, amigos à mesa, estes lhes dedicarão trovas e versos, erguerão efusivos brindes, disputarão seus abraços, radiantes ficarão com um simples aperto da mão.
Fez, a vida toda, amigos e amigos e a estes sempre os tornou melhores.
Trilhou ruas estreitas e escuras. Seus gestos, porém, as alargaram e iluminaram. Por certo teve dissabores, desencontros, mas, no zerar das contas, prevaleceu inteiro. Inteiro e íntegro.
É modesto sem ser tímido; audaz sem ser imprudente; rico, sem ser egoísta. Referencial, modelo ímpar de otimismo e perseverança.
Resta-nos aprender, da melhor forma que pudermos e usufruir tudo que nos é ofertado.
Ergo um brinde ao amigo Modesto, substantivo e adjetivo ao mesmo tempo. Que ele possa continuar nesta jornada e que, se por ventura os sábios senhores do tempo se reunirem mais uma vez, e por qualquer motivo resolverem tirar mais um ou dois dias de fevereiro, não sentiremos falta pois as qualidades deste amigo Modesto suprirá qualquer desatino que se possa cometer.









Por José Carlos Munhoz Navarro

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Cada macaco no seu galho

Ah! Minha São Paulo, quanta história você guarda.
Morei muito tempo na Avenida Santo Amaro (zona sul da capital), que era para mim o umbigo do mundo, não era a big aple, mas era a minha jabuticaba preferida... Ali passei os melhores momentos de minha mocidade aprendendo as coisas boas e as ruins também.
Morava naquela avenida entre os cinemas Graúna e Excelsior. Em cada lado da avenida, existiam Drive-ins, margeados por um córrego, hoje submerso por uma grande avenida.
Flashs deste tempo vem à tona permitindo "replay" daquele tempo maravilhoso.
Tempos divinos que, às vezes, confunde a minha cabeça, misturando tudo como se fosse um filme em que se pode assistir muitas vezes.
Hoje, retornei ao site São Paulo Minha Cidade para rever e relembrar algumas coisas que rascunhamos e também para ver os comentários sempre interessantes deixados pelos autores amigos.
Ao reler alguns, automaticamente somos levados a fazer uma viagem de volta no tempo.
O filme em cartaz de minhas memórias, desta vez me leva de volta aos meus 13 anos.
Morava bem próximo de um drive-in chamado "Texas", todo fechado por árvores e placas de anúncios de propaganda e ladeado por um córrego... Alguém, muito curioso de nossa turma, acabou descobrindo um cinema gratuito.
Passando de boca em boca, nosso cinema estava sempre lotado.
Pontualmente às 20:00 horas, os galhos das árvores já estavam lotados, não de pássaros. A essa hora, o pátio do drive-in, ficava lotado de carros. Os preferidos eram carrões americanos da época, por proporcionar maior visibilidade interna.
O silêncio era absoluto. E o tema altamente interessante e inovador.
Cada galho era tomado por um estudante ávido em aprender.
Tais aprendizados não existiam em livros, revistas ou em cinemas.
E era tudo ao vivo, sem censura e sem custo.
Em uma semana aprendíamos mais que poderia se aprender em 4 anos de qualquer faculdade.
O mais difícil era conter a ansiedade e prender a respiração para não atrapalhar os protagonistas.
Era emoção pura jamais experimentada de forma tão viva como eram aqueles espetáculos.
Nunca tivemos a chance de agradecer a cada um dos artistas pela lição proporcionada.
Caramba! Era de tirar o fôlego.
Tudo isso foi muito rico para a turma. Pena que não podemos entrar em detalhes sobre os ângulos, as tomadas, os closes, os sons e etc e tal.
Mas, tudo que é bom dura pouco.
Certa noite em pleno verão, estaciona um carro americano conversível, um Impala lotado de gente. Acho que já estava programado com "gran finale".
Quando o filme estava nos seus momentos mais derradeiros, um colega escorrega da árvore e acabou caindo em cima do capo do carro. Um tremendo estrondo... E grande o susto para todo mundo.
O garoto foi perseguido pelos funcionários do drive-in, visto que os ocupantes dos carros não podiam correr sem roupas...
O restante do pessoal pendurado nas árvores saiu correndo, com alguns caindo dentro do rio, mas, conseguiram se safar.
A corrida foi tanta que nunca mais conseguimos nos reencontrar, para darmos boas risadas.
O susto foi enorme! Mas, o aprendizado jamais será esquecido.
Valeu a pena, sim!

Por Luigy Marques

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Parabéns, Modesto!


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Finalmente ganhei

Quero felicitar-me com todos vocês, amigos e companheiros desse site, a grande jogada de sorte que me aconteceu nesta semana. Finalmente, ganhei a “lotomania” de uma forma inusitada. Não adianta, quando tem que ser, ninguém vai tirar de você. Vejam vocês, como ocorreu esse belo presente. Foi numa loteca aqui do Jaguaré, perto do Parque Continental, onde moro.
Estava na fila de “mutilados de guerra” (idosos, denomino assim desde que fui multado, na França por ter entrado num vagão de idosos e mutilados de guerra) esperando minha vez pra fazer os jogos de “mega sena” e a “lotomania”. Tinha duas pessoas na minha frente e vocês sabem a “destreza” e “rapidez” com que estas pessoas tiram o dinheiro do bolso, contam, recolhem de outro bolso o boleto dos jogos, perguntam ao atendente quanto custa e se fizer um número a mais se vai ficar mais caro e quanto. Do guichê vem a resposta: o Sr. colocou 55 números e o certo é 50, qual eu posso eliminar? Deixe-meeu ver o boleto, responde o cliente: - Olha, tira o 33, 47, 12, 59 e 64. Pronto... Espere aí, deixe o 47, tire o 15, isso, o 15..., nunca tive sorte com esse número, uma vez comprei um... Um momento, meu senhor, preciso atender outras pessoas.
Eu estava com os dois boletos na mão, um da “mega” e outro da “loto”. Aí, tomei, de repente, uma decisão: - “Não vou jogar a “lotomania”; amassei o papel, fiz uma bolinha e tentei arremessar numa lixeira que estava a três metros de mim. Errei e não me importei. Ficou no chão. O da minha frente estava sendo atendido com a “ligeireza” habitual, (enquanto era atendido um idoso, na fila dos habilitados, ao lado, eram atendidos quatro) e nessa fila do lado, dos habilitados, o que ia ser atendido, sem querer, chutou a bolinha que eu tinha amassado e ela veio parar junto ao meu pé direito, como que dizendo - “voltei, não me joga fora, me pegue novamente, aproveita que chegou sua vez”.
Apanhei a bolinha, desmanchei o amasso, alisei bem na parede com um pente, do lado do cabo e aí, chegou minha vez.
Fiz os dois jogos. Preparado pro berro que ia dar e acordar toda vizinhança. Liguei o computador, chamei a Myrtes (sempre conferimos juntos) e começamos com a “megasena”, dos 18 números acertei três, um em cada bloco de 6. Agora vamos conferir a “lotomania”, dos 20, sempre acertava no máximo 10 a 12. Só uma vez cheguei a 14. A Myrtes começou a ler os números sorteados e no final, tinha chegado ao menor número de algarismos que cheguei em todos os jogos que já fiz: dos 50 que marquei, pra acertar 20, só acertei 6 algarismos.
Fiquei contente, tinha ganho paz e tranquilidade em minha vida. Vocês imaginaram eu, com mais de um milhão no bolso, 5 filhos, noras, netos, genros que bruta briga que eu ia arrumar? Mama mia, do que me livrei, Mesmo assim, continuo, gosto de enfrentar perigos, riscos, mas, tenho certeza de que nunca vou ser atingido por essa “falsa” e “hipócrita felicidade”. Sou bem protegido, meu Anjo da Guarda me protege bem. Só se algum dia ele se descuidar, aí então vou ter que me penitenciar.
Eu, hein?

Por Modesto Laruccia

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Parabéns, Lourdes!

As histórias de Sinhá Chiquinha

Francisca – a Sinhá Chiquinha - era neta de africanos que eram propriedade dos Junqueira, ricos lavradores do Café que, com a Abolição, a família ficou na fazenda, uns como assalariados, outros, os mais idosos, como agregados. Francisca casou-se aos 15 anos – “Com a bênção do padre, graças a Deus”! Por um lance do Destino, Francisca e o marido passaram para as terras dos Prado. Fixaram-se na Fazenda São Martinho. Moravam na colônia, perto dos meus avós. Ela e minha avó, pura empatia uma pela outra, desde a primeira vez. E nos anos que se seguiram vovó alfabetizou Francisca e ensinou-lhe todo o tipo de prenda doméstica européia. E Francisca que era orgulhosa, que tinha postura de dama e que articulava bem as palavras, tornou-se mais sofisticada. Daí viera-lhe o apelido de Sinhá. Mais uma vez, quis o Destino que Sinhá Chiquinha e o marido, no fim dos anos 10, viessem para São Paulo. E Sinhá Francisca continuava morando na Rua da Boa-Morte (hoje, Rua do Carmo) – no Bairro do Carmo – quando os meus avós vieram para São Paulo, em 1930. E a amizade que seguia por cartas transformara-se em visitas semanais...
Adorávamos a visita de Sinhá Chiquinha! Além do delicioso bolo de fubá cascudo que ela nos trazia, ela era uma boa “contadeira” de histórias. Contava-nos histórias de fantasmas que ela, jurando por todos os santos, vira com os próprios olhos! Falava-nos dos escravos mortos que vagavam pelas terras dos Junqueira; do fantasma de um menino negro que aparecia junto ao monjolo, prenunciando a morte; contava sobre as estranhas luzes que dançavam sobre as sepulturas dos escravos; enchia-nos de medo falando sobre o pesado sino de alerta da sede da fazenda que, tarde da noite, tocava sozinho “sem que mãos humanas o tocasse”.
Das histórias de Sinhá, a que mais me impressionou foi a dos fatos estranhos que aconteciam na Rua da Boa-Morte...
Em São Paulo, Sinhá Francisca, mulher nascida e criada no campo, não gostou muito da cidade. Todo aquele casario adensado em vielas estreitas, quarteirões arrasados por demolições e aquelas casas construídas uma em cima da outra, buscando o céu... Foi morar à Rua da Boa-Morte, no Carmo (hoje, distrito da Sé).
Desde a primeira vez, não gostou da rua. Havia nela algo que lhe dava arrepios. À noite, tinha medo de olhar pela janela.
A janela do seu quarto dava para a rua. Às vezes, ela acordava tarde da noite, ouvindo, “não com os ouvidos”, sabia, sons estranhos, vozes em lamento. Sinhá Chiquinha então, agarrava-se ao rosário e rezava o Salve Rainha... Tudo se acalmava e ela voltava a dormir.
Mesmo de dia, a Rua da Boa-Morte era triste. Nela, parecia que a neblina nunca se dissipava. Uma neblina além da visão dos olhos.
Passa o tempo e “coisas do outro mundo” começaram a acontecer...
Cumprindo o ritual de rezar o terço em sete igrejas, lá estava Sinhá Francisca na Igreja do Carmo (igreja que não mais existe e que, junto com o convento foi demolida para dar lugar à Secretaria da Fazenda), concentrada em desfiar o rosário, quando algo lhe chamou a atenção. Sentindo um frio intenso, incomodada, abriu os olhos e viu passar junto a si um padre que seguiu em direção ao altar-mor e... Desapareceu! Apavorada, agarrou-se ao rosário e, embora a vontade de sair de lá fosse muito forte, mulher de fé que era não podia quebrar seu compromisso com Deus. Acalmou-se e reiniciou o terço.
Dias depois, Sinhá Chiquinha foi desfiar o rosário na Igreja da Boa-Morte. Estranhou que àquela hora da tarde a igreja estivesse tão cheia. Pelos lamentos de dor e tristeza ela concluiu que deveria ser uma missa de mês, ou de sétimo dia... Mas, onde estava o padre?... Fechou os olhos e concentrou-se nas orações. Para isso ela estava lá!
Acabara de rezar as Ave Maria e, quando ia iniciar o Pai Nosso, desconcentrou-se. Percebeu que o templo estava assustadoramente silencioso. E frio demais, coisa que antes não estava. Abriu os olhos e viu a igreja vazia. Era impossível toda aquela gente que estava lá sair sem fazer ruído. Lembrou-se do fato acontecido no Carmo e assustou-se. Desta vez, um tanto desequilibrada, guardou o rosário na bolsa, levantou-se e saiu a toda pressa...
Avessa a abrir as janelas que dava para a rua quando anoitecia por duas vezes Sinhá Chiquinha foi surpreendida pelas visões fantasmagóricas.
Havia já alguns dias que chovia forte em São Paulo. Naquela noite os trovões faziam estremecer as casas, relâmpagos intermitentes iluminavam o céu e raios riscavam a noite. Então, um estrondo tremendo deu início à borrasca. A chuva transformara-se em violenta tempestade. Pensando no marido, que trabalhava no Brás, temendo mais uma inundação do Tamanduateí ela, esquecida do medo, abriu a janela para ver o chuvaréu. Congelou e engoliu o grito de pavor que quase lhe escapa. Diante dela, passava o mesmo padre que vira no Carmo. Paralisada, seguiu com os olhos aquela figura fantasmagórica até que ela desaparecesse pelo Beco do Carmo (hoje, Rua dos Carmelitas)...
Meses depois, Sinhá Chica, acordada pelos rumores e os barulhos que vinham da rua àquela hora da madrugada, irritadíssima abriu a janela do quarto. O que viu a fez perder os movimentos e a fala. Na rua passava um estranho cortejo de homens e mulheres, vestidos à moda antiga que lamentavam, choravam e rezavam. À frente do grupo, um homem com as mãos amarradas, ladeado por dois soldados (milicianos). Com os olhos arregalados ela foi percebendo que aquelas figuras, até então sólidas, começaram a diluir-se em pleno ar. Rápido não havia mais ninguém na rua. Sinhá Chiquinha arriou, caiu ao chão. Desmaiou de tanto medo!...
Sinhá dava-se muito bem com as vizinhas. Mas nunca fora de falar-lhes dos próprios sentimentos ou outras particularidades de sua vida. Mas, dois dias depois de desmaiar de tanto terror, fragilizada e entre lágrimas, abriu-se com elas. E o seu espanto foi grande, quando soube que muitas das vizinhas passaram pelo mesmo susto e terror. O mesmo pelo qual passaram os moradores antigos da Boa Morte. O assombramento da rua era comum a todas as épocas.
Ficou sabendo a história do Prior do Carmo, homem violento e rude que, em 1859 foi assassinado, estrangulado por dois escravos que não aguentaram mais o seu maltrato. Desde então, ele vaga pela igreja, pela rua e desaparece no beco.
Soube também que a Rua da Boa-Morte era a “via crucis” dos sentenciados à morte que demandavam ao Morro da Forca. Pela rua seguiam, em procissão, acompanhando o sentenciado, parentes e amigos. Iam até a Igreja da Boa-Morte, onde o sentenciado recebia a extrema unção. Na igreja permaneciam os parentes e amigos a lamentar e orar, enquanto o sentenciado seguia pela Rua Tabatinquera, rumo ao Morro da Forca (Hoje, Praça da Liberdade).
Aliviada, Sinhá Chiquinha, piedosa que era, decidiu rezar o terço das almas, todas as sextas-feiras, na Capela dos Enforcados. Funcionou. Nunca mais foi perturbada... Mesmo assim, enquanto morou lá, na Boa-Morte, recusava-se a abrir as janelas, quando anoitecia.

Por Wilson Natale