quinta-feira, 7 de abril de 2011

Efeito Pinacoteca


Olhando aquele quadro, numa exposição na Pinacoteca de SP, eu me vi como Sara que trazia para sua lembrança o rosto de seu amado Leo.

Era como se ela voltasse no tempo, revivendo todos os momentos que eles se amaram.
Ela conseguia, como num passe de mágica, voltar no tempo e ver todas as épocas das vidas que juntos tiveram.
Via-se como plebéia a correr com seu amor pelos campos dos pastores nômades da Roma antiga, escondendo-se dos patrícios que se julgavam superiores a todos.
Recordava os momentos cruéis das cruzadas, a esperar pela volta de seu amado das batalhas sangrentas, depois dos combates contra os inimigos do cristianismo nas Terras Santas de Jerusalém.
Trouxe à memória doces lembranças dos tempos em que se encontrava com seu amado, às escondidas, nos corredores e salas secretas, das maravilhosas igrejas que guardavam, em seus altares e santos, as mais belas juras de amor eterno, ditas por seu querido quando ainda estudante de Galileu Galilei, em épocas renascentistas.
Olhando, agora, a réplica da Gioconda de Da Vinci, naquela sala moderna da Pinacoteca, ouvia o burburinho das grandes festas burguesas da sociedade feudal, quando brindava ao amor, junto com seu amante misterioso, depois de beijos ardentes e promessas de novos encontros secretos nos arredores do palácio.
Conseguia sentir o cheiro das ruas e dos campos cobertos por girassóis, da Rússia em plena revolução, e de feromônios quando se perdia nos beijos e no sexo feito com toda a volúpia, rolando pelos campos, enquanto pôde esconder a barriga da gravidez inevitável. Fruto querido de seu amor vivido com toda a plenitude da juventude.
Doces lembranças de seu amor vivido quando eram ativistas de revoluções comportamentais da década de 1950, quando o mundo experimentava grandes inventos tecnológicos, como a televisão e festejava os fins de guerras e finais de campeonatos esportivos.
Quando enfermeira, em plena guerra do Vietnã, cuidou das chagas de seu amado que voltara da batalha, sangrando e inconsciente, voltando a si com as mãos carinhosas de Sara ao lhe fazer os curativos. Foi amor instantâneo.
Nos sertões nordestinos brasileiros ou nos rincões distantes rio-grandenses, colhendo as mais deliciosas uvas para a produção dos vinhos, viu seu amado deliciar-se, observando-a em seu pisar ritualístico nas uvas.
Ao observar todas aquelas obras de arte da pinacoteca, sua mente se enchia destas doces lembranças existenciais, ao lado de seu amor. Amor que resistia a tudo. Avançaram os tempos se amando sempre, experimentando tudo o que a juventude podia e queria.
Atravessaram o tempo tocando guitarras, fumando baseados e cheirando cocaína, nas sendas dos anos dourados, sem deixarem, um instante sequer, deste amor bandido e, ao mesmo tempo, amor puro, que resistiu ao tempo e às exigências de todas as reencarnações.
Reviveu os dias felizes quando se encontraram, depois de uma reunião entre amigos, quando ela cantava pelo aniversário de um deles e Leo, encantado, foi-lhe cumprimentar.
Desde aquele momento, até o fim, não deixaram de se falar um dia sequer. Encontravam-se sempre em momentos de intensa paixão e amor.
Trocaram juras e promessas, novamente. Viveram, em um ano e alguns meses, o mais intenso amor, o romance mais lindo que eles já haviam tido.
Quantas vezes riram juntos em deliciosas conversas ou choraram juntos com os mais diversos problemas, resolvidos ou não, mas, sempre juntos e amando sempre.
Selavam mais uma existência com este amor maior, que parecia transcender a outros mundos.
Lembrou com lágrimas copiosas o momento supremo da passagem de Leo para a espiritualidade, nesta última encarnação, dizendo: Sara, meu amor, meu eterno amor.
Aquela doença cruel levara seu amado para outra dimensão da vida, deixando-a novamente só.
Mas, Sara sabia que isto era momentâneo. Porque a morte faz parte da vida e a morte é, apenas, uma transformação. Um dia, eles se encontrarão novamente, para viver este amor, realizando todos os sonhos que eles têm direito e para os transformarem em realidade.

 

Por Sonia Astrauskas

7 comentários:

Wilson Natale disse...

Sonia: Lindo texto!
E assim acontece, pois os laços são Eternos.
Nada como espíritos afins trilhando a estrada do apredizado.
A morte nada mais é que a Fênix dos antigos - Ela morre,incendeia-se e renasce das próprias cinzas.
Somos todos almas peregrinas à caminho da luz.
Abração,
Natale

Laruccia disse...

Sonia, a vida é uma formação natural que se completa de vários componentes químicos. Poaderia-se, então, fazer um homem com todos os elementos que se encontra na natureza? não, por que falta o principal: a alma. Mesmo que o ser tenha defeitos físicos, ao nascer, ele tem alma. Nasce, cresce, vive e morre sem saber nada disso. Mas,ele faz parte do elo da criação divina. Sim, porque não precisamos estudar medicina pra sabermos a maravilha que é o ser humano. O homem das cavernas, há milhões de anos era formado de boca, orelha, olhos, nariz igualzinho ao homem de hoje. Todos os movimentos, defesas, cheirava, ouvia, olhava como nós. O AUTOR da nossa formação, deve ter feito várias experiências antes de entregar ao "eleito", a alma definitiva.
Lendo seu lindo poema, chego a conclusão de que Deus sabe a quem entregar a graça de fazer seus irmãos entenderem o mistério da reencarnação. Vc, Sonia, portadora da mensagem divina em forma de ode, com a graça de despertar o amor entre os humanos. Parabéns, Astrauskas.
Laruccia

Luiz Saidenberg disse...

Bela viagem, Sonia, por muitas vidas passadas, revividas em quadros de uma exposição.
Nada como ir a uma bela pinacoteca, como a nossa, e além de contemplar os quadros, entrever em sonhos as miríades de vidas e dramas por trás de cada tela, por trás de cada pincelada.
Saber, pelo clima do quadro exatamente como era o ânimo do autor, quando foi feito.
De uma bucólica e tranquila cena de Corot aos vibrantes quadros do alucinado Van Gogh.
Belo texto, e feliz quem sabe apreciar a arte.

suely schraner disse...

Sonia, com sua alta sensibilidade você pintou com rápidas pinceladas um retrato da alma de uma super escritora. Grande viagem. Beijos.

Arthur Miranda disse...

Sonia, seu texto esta tão bem escrito, e contem um elevado conteúdo espiritual que eu nem encontro palavras para comentar, portanto vou apenas deixar meus: Parabéns.

Zeca disse...

Soninha,

como um lindo texto pode conter uma linda história de amor entre almas gêmeas, unidas pelo sentimento maior por toda eternidade! Vidas vão, vidas vêm e elas, predestinadas, se encvontrarão para dar continuidade a esse amor tão poderoso em sua singeleza. E contada com a sutileza das pinceladas dos grandes mestres que se expressaram através das cores, dando vida a esses amores! Você captou o clima, a sensibilidade e matizou tudo com o colorido das suas palavras, fazendo com que este conto estivesse à altura de ser apresentado lado a lado com as lindas telas apreciadas.
Parabéns!

Beijo.

Miguel S. G. Chammas disse...

Amor, será você a minha Sara?
Ou será, então, a minha Sonia?
Não sei!
Sei, apenas, que é a mulher que em apenas 2 anos me deu muito mais felicidades do que todos os outros 69 anos da minha conturbada existência.
Neste texto, novamente, você suplanta todas as minhas expectativas. Outra vez, o criador se ve prostado diante da criatura.
Não me falte nunca o nectar de suas palavras amor da minha vida!