sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A primeira vez em Sampa

José Edi Nunes da Silva é jornalista e nosso amigo, lá de Porto Alegre – RS, veio nos dar a honra de seu texto, aqui no Memórias de Sampa, onde anjos e demônios se unem e se transformam em contadores de histórias e fatos sobre São Paulo.
Seja bem vindo, Jens, querido amigo.
Obrigada.
Sonia Astrauskas

Num post anterior falei sobre a ida ao Rio para participar de um congresso de bancários. O primeiro encontro desta natureza a que compareci foi em 1978, quando a pressão popular enfim começou a afrouxar as amarras do Ato Institucional nº 5, um conjunto de medidas repressivas que a ditadura militar impôs ao país 10 anos antes.

Foi em Minas Gerais, no Grande Hotel de Araxá, um complexo outrora luxuoso, na ocasião sofrendo a decadência do abandono, inaugurado por Getúlio Vargas que afiançava em letras gravadas na placa de bronze do salão principal que o local destinava-se ao usufruto da classe trabalhadora. Funcionário do Banrisul, compareci na condição de delegado eleito pela categoria, juntamente com mais 11 companheiros (entre os quais duas mulheres) liderados por Olívio Dutra, então presidente do sindicato.
A viagem durou uma eternidade. Fomos de ônibus. Primeiro até São Paulo. Depois até Belo Horizonte, antes de rumar para Araxá. Pior, a seco – na maior parte do tempo.
***
Pernoitamos em Sampa. À noite, testemunhamos o terror noturno dos bandeirantes ao percorrer a avenida São João e ver os revólveres balançando nos coldres do homens da ROTA prontos para sacar e matar, a exemplo dos cowboys dos filmes de Hollywood. Incautos, escolhemos peregrinar por aquela região influenciados pelos versos de Paulo Vanzolini e a voz de Maria Betânia (o autor e a intérprete definitiva de Ronda). Na esquina com a Ypiranga nos desviamos de um corpo ensanguentado estendido no chão. O homem, ferido de faca, gemia por ajuda, mas parecia invisível para a multidão que passava. Quando retornamos algumas horas depois, ele ainda estava lá. Agora morto, coberto por um lençol sujo.
Na manhã seguinte conhecemos o lado imundo do pecado. Às dez da matina – o ônibus para Minas só sairia a 1 da tarde – um quarteto de intrépidos exploradores do sul adentrou em um cinema pornô na Boca do Lixo (a sordidez pode ser fascinante para espíritos jovens e impressionáveis). Depois da película, fomos brindados com um show de sexo e
xplícito ao vivo (às 11 da manhã!). Se tivesse 13 anos, talvez ficasse empolgado. Como não era este o caso, não mudei de lugar. No entanto, seria hipócrita se não reconhecesse que minha libido não ficou totalmente indiferente à sensualidade doentia que emanava daquele ambiente sórdido. Porém, a repulsa à degradação venceu (não sou totalmente torpe, talvez ainda tenha salvação). Ocupávamos poltronas no meio do cinema. Um dos integrantes do nosso petit comité, adiantado na trilha dos 40 anos, não resistiu e foi ocupar a primeira fila. “Nunca mais vou ter uma oportunidade destas”, justificou. Era casado, naturalmente.
Em Sampa, conhecemos a violência, a torpeza e a indiferença. Apressadamente, conclui tratar-se de uma aldeia de aço e concreto não recomendada para amadores. Muito menos para poetas ou jardineiros de qualquer espécie de utopia. Com o tempo, depois de outras visitas, refiz a minha primeira avaliação juvenil. Pelas ruas e esquinas de São Paulo transitam anjos e demônios, nem sempre em conflito. Como, aliás, acontece em qualquer metrópole urbana.
***
Beijos, gurias. Abraços, guris. Boa semana para todos nós.
Pra cima com a viga.

Por Jens (José Edi Nunes da Silva)

17 comentários:

Wilson Natale disse...

José:Os deuses conspiraram contra você (risos).Jogaram você no meio do absurdo desta cidade - o avesso do avesso, como disse o Caetano.
E nesse absurdo, avesso,aprendi a viver e vivi sabendo que na noite, todos os gatos são ratos,pois os ratos devoraram os gatos e que não se deve ver, ouvir e nam falar.
Quem vem de fora - e fica - vai aprendendo a viver sem medos ou fantasia a realidade desta cidade.
E gostei muito do seu amigo - o casado - gosto de gente que não perde chances e oportunidades!
Em tempo: Aqui somos todos anjos (ta certo,Lucífer é um anjo caído, mas anjo!).
Seu texto é muito bom!
Abração,
Natale

Jens disse...

Natale: receba o agradecimento sincero de um bagual do Sul. Aqui nos pampas não estamos acostumados com manifestações assim gentis, lúcidas e compreensivas, quando alguém não exalta as qualidades do nosso objeto de amor maior - no caso o torrão natal. Você prova que o povo de Sampa, até hoje, cultiva um predicado maior: a inteligência e a tolerância que eu não soube reconhecer num primeiro momento. Valeu, camarada.
Um abraço.

Jens disse...

PS para a Soninha: sem palavras. Thanks, thanks e thanks.
Abraço.

Arthur Miranda disse...

Jens. É mesmo como você escreveu no final do seu texto, esses anjos e demônios aparecem em toda metrópole urbana. Eu que já visitei de 1975 a 2000 entre Manaus e o Chuí, perto de 4.000 cidades. Imagine só companheiro com quantos deles topei por esse Brasil afora, e como sou Paulistano acabei acostumando. Gostei do seu realismo, é muito bom ter por perto gente como você inteligente e sincera. Seja bem-vindo Jens.

MLopomo disse...

Infelizmente Jens, você só viu coisa ruim. Quando íamos jogar futebol no interior, a primeira coisa que fazíamos ao chegar na cidade, era ir na Zona do Meretrício. O mesmo fez o guia de sua missão sindicalista, o levou na boca do lixo, e aos teatros de sexo explicito, coisa que tem em qualquer cidade do mundo. Quando a missão era de empresários eles eram levados ao Lalicorni. Alias sindicalista é useiro e vezeiro em gostar de ver coisas ruins para criticar. Na nossa cidade em poucas horas tambem mostra coisas boas. Já que você citou Caetano Veloso, quando esteve aqui pela primeira vez, chamou de mau gosto o que viu, viu meninas deselegantes, o povo oprimido, das favelas, da feia fumaça, que encobria as estrelas, e não se esqueceu que foi dito que São Paulo é o tumulo do Samba, classificando a nossa cidade de África utópica em novo quilombo de Zumbi. (Tem gente por aqui que acha a musica dele uma jóia) Só que depois que aqui fica usufrui de todas as benesses que a cidade oferece, e como oferece, principalmente a quem vem aqui com uma mão a frente e outra atrás. Volte a Sampa e vera quanta coisa boa a cidade tem a mostrar.

Miguel S. G. Chammas disse...

Camarada Jens, você já deve ter percebido que tenho na alma um não sei que de sulista. Acho queem outra encarnação usei pilchas, tive meu pingo, amei uma prenda e corri pelos pampas a saborear o vento.
Porém, nesta encarnação, nasci no torrão encantado e sacrossanto desta cidade que amei, amo e amarei eternamente.
Tenho um desejo que acho, está prestes a se realizar. Quero ciceronear este amigo como já fiz com outros tantos que aqui vieram.
Verás que o diabo, que existe mesmo, não é tão feio como pintam.
Venha e tenho certeza serás um novo amante de Sampa

Luiz Saidenberg disse...

Gostei de sua franqueza, Jens. Muito bem! O excesso de loas e cânticos exagerados que são entoados para São Paulo nunca me comoveram. São muito fáceis, e o melhor modo de se aparecer num site político, como é São Paulo Minha Cidade. Felizmente, este não é assim, e podemos nos expressar livremente. São Paulo é uma cidade, ou uma multidão delas, todas diferentes e muito complexas. Ao lado de recantos paradisíacos, temos outros tantos de causar vergonha, tal sua sujeira e barbárie. Sempre fui favorável a louvar só o que bem merece, deixando o ruim de lado, como diz a música. Só com visão profunda da realidade e críticas fundadas é que podem existir chances de melhorar a urbe, não com elogios e barretadas deslavadas.

Soninha disse...

Olá, Jens, querio amigo!

Hoje Sampa é POA...Que alegria!
Aqui, não temos fronteiras.
Aqui é Brasil de norte a sul...Este rincão amado.
Aqui, efetivamente, não tem lugar para preconceito, nem partidarismos, nem bairristas... Aqui,neste espaço, somos todos irmãos, somos todos autores de textos,contadores de histórias verdadeiras. Por isso, sempre caberá os relatos de todos aqueles que quiserem falar sobre Sampa.
Fiquei feliz por saber que sua impressão sobre a cidade de São Paulo tenha mudado com as utras visitas, meu amigo.
Venha mais à Sampa...E venha mais ao Memórias de Sampa, nos encantar com suas crônicas.
Valeu, Jens!
Obrigada.
Muita paz! Beijosssssss

Modesto disse...

Sr. José Edi Nunes da Silva.
O sr. deixou bem claro, falando com sinceridade aquilo que sentiu quando aqui esteve. Depois, em outras visitas, mudou um pouco sobre o conceito exposto na primeira vez. Mas não fala nada destas visitas posteriores.
Vou tentar ser sincero, também. Não gostei do seu artigo. Sou paulistano, sempre morei aqui, nasci no Braz a uns dois ou três km. do local que vc foi visitar. Sou paulistano ferrenho e amo meu torrão como poucos, tenho ciumes de tudo e de todos. Ciumes, nesse caso não é defeito, é virtude. Quando se ama alguém, o amor é incondicional, completo. Sei que o objeto de minha devoção tem seus defeitos, (um pouco mais do que Porto Alegre, porque é uma megalópolis)mas, tem muitas e boas qualidades. Fale sobre isso. Falar de zona, pornografia, sugeira nas ruas, crimes etc. nós ja conhecemos muito bem tudo isso. Alias, a maior parte disso que vc contou, é originário de migrantes que vem de outros estados e, aqui tentaram alguma coisa e não conseguiram. Venha de novo a São Paulo, vizite os bons lugares, faça um texto do que vc vê, pra falar de coisas negativas, chega o que nos cansamos já, de falar e ouvir. O que o Mario disse acima sobre o Caetano Velozo, é a pura realidade. E do Chico Buarque, também. Vem aqui mendingando uma chance, tem a sua, vence, se popularisa e depois... "viver em São Paulo? Deus me livre". Sinceramente
Modesto Laruccia

MLopomo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
MLopomo disse...

Parabéns Modesto, precisamos de gente assim como você. Para falar mal de São Paulo já bastam os que aqui estão. Um forasteiro que esteve de passagem por algumas horas, ou que aqui veio uma ou duas vezes, não tem o direito de jogar na nossa cara aquilo que o desagradou. Para se ter a dimensão do que é São Paulo é necessário que fique por muito tempo. E que de a chance de a cidade mostrar o que ela é. Nos paulistanos natos não merecemos que interestaduais ou do interior paulista, que aqui vem ou vive, nos faça esse desaforo. Tem muita gente que consegue aqui o que seu recanto negou, e ainda cospe no prato que come.

Luiz Saidenberg disse...

Belo comentário, Soninha. Agradeço a minha parte, pela qual temi tb ser mal compreendido. Foi dito que de falar mal de S. Paulo bastam já os paulistanos. Bem, se falam mal, é porque têm suas razões. Mais pior do que isto é o elogio gratuíto,servil, de quem sabe que, com louvores à capital, será mais fácimente publicado, em outros sites. In medium virtus, diziam os romanos. São Paulo não é maravilha nem inferno, nem isto nem aquilo, muito pelo contrário: é TUDO; tudo que há de bom e mau, de riquíssimo e miserável no Brasil se concentra aqui, de forma superlativa.
Tão imensa que não cabe em definições, e infelizmente nosso amigo gaúcho conheceu-a no lugar errado, e no momento errado. Mas, como tb foi dito, ele e seus colegas foram levados por propaganda enganosa, de pessoas que cantam velhos clichês, e que atualmente já não são mais nada de seu glorioso passado, infelizmente.
Abraços.

Laruccia disse...

Sonia, querida, não sei o que aconteceu com seu comentário, onde vc exalta os nossos colegas que falaram bem do jornalista Nunes, citando-os nominalmente. Em primeiro lugar, Sonia (que respeito e gosto muito, quer agrade o Miguel ou não), eu não destratei o jornalista e nem o ofendi. Apenas não concordei com seu artigo e, isso vc há de concordar comigo, é um direito que tenho, se não tivermos essa liberdade de expressão, esse blog, tão simpático, deixará de ser o que é. E vc chegou a dizer que tinha vontade de deletar os comentários que destoaram da "festiva" receptividade ao ilustre convidado, deveria ter feito, ameaças não faz meu estilo. Não fiz nenhuma apologia de minha opinião, posso não ter cido cortês mas, procuro ser autêntico. Um abraço.
Modesto

suely schraner disse...

Jens,
seu texto me remeteu à poesia de Sérgio Vaz, da Cooperifa:"São Paulo é uma cidade no cio. Por isso, transa com todo mundo e em todos os lugares. É bonita porque é feia, e como toda feia que se preza beija mais gostoso. Que os Vinícius me perdoem, mas feiura é fundamental". Gostei muito de sua crônica. Que seria do positivo se não existisse o negativo? Abs, Suely

Luiz Saidenberg disse...

Escrevi uma bela besteira, espero que me perdoeis. Disse: MaIs pior
do que isto, quando queria dizer - MAS, pior do que isto...no resto reafirmo o que disse, sem tirar nem por. Abraços.

MLopomo disse...

No meu comentário deixei bem claro que a culpa maior não é do cidadão Jens, (dos forasteiros de passagem) que o levou para o lado sujo da cidade. Isso é mania de supostos guias. Está lá também, que quando íamos jogar futebol no interior, os pseudo-s cicerones nos levava em primeiro lugar no meretrício, e por falta de tempo as coisas boas e bonitas da cidade não eram vistas. Portanto não retiro uma vírgula do que escrevi. Uma pena que o Sr, Jens não tivesse vindo mais vezes para fazer um confronto entre as coisas boa e ruins da cidade, ele ficou só nas ruins. Espero que quando voltar a cidade de São Paulo, não venha na desagradável companhia de sindicalistas. Estou mais uma vês de acordo com o Modesto. Se não pudermos expressar nossa indignação, e se não gostamos do que foi escrito temos mais é que manifestar nosso descontentamento. Senão seu Blog, fica na parcialidade de quem não gosta, mas finge que gosta, com medo de botar a cara pra bater, e isso vemos aos montes pelos sites da vida.

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Meus amigos, eu acho que as pessoas que serviram de cicerone ao Jens não são nem de São Paulo, creio até que nem saíram do famoso quadrilátero formado pela Av. São João, Av. Ipiranga, Av. Rio Branco e Largo do Paissandú, por isso ele tirou suas conclusões apressadas sôbre a nossa cidade, São Paulo tem muitas, mas muitas coisas boas para apresentar e serem visitadas, como toda grande cidade também tem seus pontos ruins, sou paulista ferrenho e também me irrito quando alguém só aponta o lado ruím da cidade, esta é minha opinião e respeito todas as outras emitidas pelos demais companheiros, não notei nelas nenhuma palavra de desrespeito ao Jens, espero que ele venha mais vezes a São Paulo pois esta cidade acolhe com amor e carinho todos àqueles que aquí chegam para visitar ou tentar uma nova vida, quanto ao blog, tenho certeza que nós podemos expressar livremente nossas opiniões democráticamente, com educação, sem expressões ofensivas a quem quer que seja (o que aliás é o padrão de todos nós que usamos este espaço).- Nelinho.