sábado, 8 de janeiro de 2011

Passou batido



Pouco ou quase nada escrevi no ano passado.
Sobrava-me tempo, faltou vontade, ou seria o contrário? Ou, as duas juntas ?
Não sei. Diante de tantas interrogações, uma só afirmativa, pouco escrevi naquele já saudoso 2010.
Passaram sem menção tantas datas importantes, inclusive a antepenúltima do ano, certo 22 de dezembro.
Os amigos mais chegados juntavam-se ao povaréu. Uns, soltavam vivas, votos de felicitações; outros, invadiam as plataformas da antiga rodoviária, no final
da Duque de Caxias, declamando prosas, recitando. Tinham copos de bebida nas mãos; eu vi um litro de whisky, passando de mão em mão por ali. Naquela antevéspera de natal, todas as apressadas pessoas os olhavam admirados... uns, indignados, outros não, mas todos entenderam e perceberam as mensagens. Eu e Silvia, dentre todos os presentes, fingíamos que não era conosco e que aquele mundaréu de amigos não nos tinha acompanhado.
Mas, eles tinham nos acompanhado.
Tinham vencido a Duque de Caxias, a Rego Freitas, a Consolação. Tinham subido a Rebouças, passado pela Gabriel Monteiro da Silva, deixado a Groenlândia e nos acompanharam.
É certo que não nos encontraram na velha mercearia, fechada pela insensibilidade dos governantes da época. Tinham nos visto um pouco antes, na Rua Dinamarca, na querida e presente Igreja de São José, meu padroeiro e xará (bem apropriada esta palavra, atualmente tão esquecida).
No salão de festas, coquetéis e canapés se misturavam a abraços de felicitações. Amigos que há muito não se viam, outros que se conheceram naquela tarde noite, trocavam impressões, falando tão bem dela, nem tão bem de mim, mas, enfim, assim é a vida e ela poderia ter escolhido um sobrenome famoso (e rico) para esparramar seu eterno sorriso.
Porém, o que estava feito estava feito e agora, eram só fotos e fotos, sem vídeos, sem efeitos especiais, sem arranjos mirabolantes. Aliás, estamos falando de 1973, de um sonhador, tão rico em sonhos, quanto pobre em espécie.
Subo as escadas que ainda há pouco descera. Ouço as palavras do celebrante à minha frente, enquanto que, às minhas costas, sinto a igreja repleta. Não tivemos a música que ela queria (aliás, nem sei se música teve), pois o padre, cioso de sua posição, não permitiu que se tocasse “El dia que
me quieras”, pois onde já se viu tocar tango na igreja. Teimosia por teimosia, se não pode ser essa, que não seja nenhuma; e ele deve ter colocado qualquer outra, enquanto Silvia e eu cantarolávamos a nossa.
Ouço o sim mais importante da minha vida. Profiro o meu mais feliz, dente tantos e eternos “sins” que mutuamente nos presenteamos e presentearemos sempre.
Ah, como o tempo passa!
Vejo-me de pé, à frente de todos. A igreja lotada, aquela porta não se abria. O zum zum dos convidados era o mantra que se ouvia. O padrinho dela me atormentando que ainda dava tempo, que poderíamos sair de fininho pela sacristia, até que, por fim, a porta se abriu e com ela meu novo mundo se abriu também.
Tudo é alegria, tudo é ansiedade.
Mas, será que vai dar tempo de arrumar tudo para as 19:30 h? Afinal, hoje tem o dia do noivo, da noiva; mas, naquele tempo, meu dia de noivo começou às 6:30 h, entregando leite na mercearia e as 10 h fui até o Shopping Iguatemi (que chique, né?) comprar (ou tentar achar um sapato). No caminho encontro Silvia, que vinha a pé do cabeleireiro. Dizem que dá azar ver a noiva n
o dia do casamento; dizem... Se deu azar, foi bem legal esse azar.
Não posso me estender muito. Tenho que ainda ir até a Paulista, para acertar alguns detalhes com o noivo que casa um pouco antes que eu. Fui, acertei e quase não volto, pois meu velho (e bota velho nisso) e fiel (e bota crença nisso) Gordini, resolveu dar o ar de sua desgraça, perto do Parque Trianon e parou de vez. Resignado e atrasado, corro para o barbeiro (é assim que se faz hoje?), para que ele dê uma aparada nas melenas.
Voltei para a Faria Lima e entrei no Carlito e me atrevi a pedir a ele duas coisas: Se eu dormisse quando ele terminasse, que pudesse me acordar e que caprichasse no cabelo, que eu precisava ficar bonito naquele sábado. Quanto a acordar, tudo bem... Quanto a ficar bonito, ele perguntou se eu achava que o só o cabelo seria responsável pela minha feiúra. Não era.
Mas, ele fez o que pode e me acordou a tempo.
Enfim, como diríamos antigamente, entre mortos e feridos, salvaram-se todos.
Ela sobreviveu a estes 37 anos de lutas, tropeços e vitórias sem fim e eu, o aquinhoado maior deste mundo, busco ainda fazer um pouco mais para continuar merecendo a ventura que é viver no conforto do amor eterno e saborear, com a mesma ansiedade do primeiro dia, quando volto
do trabalho e a encontro me esperando, numa calçada qualquer.
Aí, vem o vendedor de bilhetes de loteria, ou então quando vou pagar alguma conta na casa lotérica, me oferecer um bilhete, uma mega sena ou um bolão. Polidamente agradeço, dou uma resposta negativa e sigo em frente.
Nunca vou ganhar em loteria alguma. Eu já ganhei tudo que tinha que ganhar na vida.

Por José Carlos Munhoz Navarro

11 comentários:

Miguel S. G. Chammas disse...

Zé meu irmão, ano novo, vida nova, texto novíssimo e, como sempre, maravilhoso.
Uma dissertação eivada de sentimentos e lembranças.
Fatos que eu também vivi e me emocionei.
Espero queem 2011 outros textos iguais e tão brilhantes como este venham enobrecer nosso blog.
Parabéns!

Modesto disse...

Aniversário de casamento é sempre um reencontro com a data mais auspiciosa de nossas vidas. José, abençoado seja essa união e pela narrativa, com tanto amor na descrição temos certeza da felicidade que vive o casal. E que pros proximos anos, essa felicidade continue. Parabens, a vc, José e a sua querida esposa

Modesto disse...

Silvia

Leonello Tesser disse...

Navarro, mais um texto pleno de emoção e lembranças do caro amigo, sempre é gratificante lembrarmos os velhos tempos, um grande abraço, Nelinho.

Luiz Saidenberg disse...

Como sempre, ótimo texto. Parabéns por ele e pelo evento.

MLopomo disse...

Zé Carlos. Quando o casamento ultrapassa os 30 anos. Não temos nada mais a ganhar. O bilhete já está premiado, com o direito de renovação automatica. Parabens a você e a Silvia, pela vitoriosa luta do cotidiano.Com certeza muitos paralelepipedos pelo caminho foram derrotados.

Soninha disse...

Olá, José Carlos!

Que bacana poder comemorar tantos anos de convivência junto com aquela pessoa que se escolhe para compartilhar a vida.
Fiquei feliz ao receber seu texto e, também, pela data.
Parabéns a vocês dois! Que Jesus os abençoe com muito mais alegrias por todos os próximos anos.
Beijinhos em Silvia.
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!

Arthur Miranda disse...

Adorei o relato Navarro, é muito bonito saber ou ter noticias de um grande relacionamento conjugal como esse vivido por vocês, parabens pela data e pela convivencia. Deus abençoe mais ainda essa união, já por si só muito abençoada.

suely schraner disse...

Parabéns pelas bodas e belo texto!
Abraço

Wilson Natale disse...

Navarro: E que sejam mais 100 anos de Amor, amizade e cumplicidade!
É muito bom ver à nossa volta a vida, o mundo modificar-se. Mas as coisas, os sentimentos importantes devem permancer estável.
Que seria dos marinheiros que enfrentam os mares se não soubessem que existe um porto a abrigá-los?
Seja você e sua esposa mais felizes ainda!
Abração,
Natale

Anônimo disse...

Sonia / MIguel
Um texto tão simples fica imenso com o tratamento que voces dão a ele.
Um texto tão singelo fica deslumbrante com os comentários que os amigos fazem a ele.
Fico envandecido, sinto-me apenas como se fosse um usurpador. Uma pequena ideia circundada por tão nobre obra.