terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A 120 na 23 de Maio


imagens: Alfa de Saidenberg com ele ao volante e sua filha a beijá-lo; 23 de Maio em 1974; Rua Veiga Filho; Windhuk

Olhei para o lado do passageiro. Britto estava lívido, agarrado à alça do teto.
-Estou muito rápido? Eu diminuo...
- Não, menino... Está tudo bem, disse com voz trêmula.
O mostrador da Alfa marcava 120, e eu voava através da 23, ultrapassando todo mundo.
Eram tempos mais amenos, embora meu modo de dirigir não demonstrasse tal.
Não havia limite de velocidade na grande avenida e o trânsito era menor, embora sempre intenso.
Estávamos em 1974, pois hoje tal façanha seria impossível, sob qualquer circunstância.
Britto era um dos sócios da agência de propaganda, na Rua Veiga Filho; tínhamos ido à Moema para ver umas fotos de modelos. Nesse meio tempo, minha namorada dirigia-se à agência, para me esperar.
Tínhamos combinado um cinema.
No fotógrafo, as coisas atrasaram; modelos não compareceram e comecei a ficar inquieto.
Já o Britto, parecia estar curtindo muito. Para ele, a saída da firma era uma pausa nos seus afazeres rotineiros. Estava de ótimo humor, apesar dos contratempos. E assim ficaria, até por os pés no carro.
Decidiu voltar, enfim; mas, ainda queria tomar um chope no Winduk que, naquele tempo, ainda ficava na Av. Ibirapuera. Consegui dissuadi-lo e, enfim, toca a retornar, ele muito a contragosto.
E a Márcia, me esperando! Quando consegui entrar na 23 de Maio, pisei fundo no acelerador. Hoje, jamais faria uma coisa dessas, mas, como disse Rubem Braga, éramos jovens!
O carrinho roncou nos seus 130 hp e, para horror do pobre Britto, nuns vinte alucinan
tes minutos estávamos em Higienópolis. Paramos abruptamente no pátio da firma.
Ele quase baqueou ao sair; depois, vim a saber que tinha horror a velocidade quando não era o motorista. Sempre procurava ficar no banco trazeiro. E não tinha sido o caso.
- Que pena, disse eu, brincando. Se soubesse dito, teria caprichado mais um pouco!
Ah, insensato coração! Poucos anos depois, a 23 nunca mais seria a mesma.
Nem eu.

Por Luiz Saidenberg

11 comentários:

Arthur Miranda disse...

PUXA,SAIDENBERG,OU MELHOR, LUIZ SENNA, NOS DIAS ATUAIS VOCÊ SERIA A ALEGRIA DOS "PARDAIS" ESPALHADOS PELOS POSTES DAS GRANDES AVENIDAS. ACHO QUE TODOS NÓS NA JUVENTUDE GOSTÁVAMOS DE ABUSAR DA SORTE.
EU ATÉ COSTUMO DIZER QUE A MAIORIA DAS PESSOAS ATÉ AOS 40 ANOS, VIVEM SE MATANDO, DEPOIS DOS 40 VIVEM SE MATANDO PARA NÃO MORRER. KKKK. PARABENS.

Modesto disse...

Velozes memórias que teimam em permanecer em nossa provecta faixa dos 80 kl p\h e olha lá. Luiz, vc tem toda liberdade de ir até 180 mas, só em Interlagos. Não esqueça de levar o Brito. Parabéns, Saidenberg.
Modesto

Miguel S. G. Chammas disse...

Ufffffa!
Rapaz, cheguei a cansar e pensarque eu não conseguiria ler todo o texto tal a velocidade imprimida.
Menino, sou um senho de idade (bem) avançada, não faça mais isso comigo. Tá?

suely schraner disse...

Puxa! E a vida seguindo assim meio que ladeira abaixo sem freio .... Mais um belo texto!

MLopomo disse...

Quem diria que a antiga avenida itororó, que Prestes Maia em 1965transformou em 23 de maio, tão livre, fosse ficar assim como é hoje, que quando muito se pode andar a 40 mk hora.Bons tempos aqueles que se podia dar um pau desses narrado pelo saidemberg.

Luiz Saidenberg disse...

Muito obrigado. A 180, com esse mesmo carro, cheguei na Castelo Branco. Tempos idos....e não levarei o Britto, Modesto, pois este já subiu, e deve voar ainda mais velozmente, lá nas alturas. Nada tema, Miguel, já sou um ancião, ao menos pelas estatísticas...abraços.

Wilson Natale disse...

Pois é Saidenberg! Quem viveu aqueles tempos, refestelou-se!Hoje, na 23 de Maio, chega mais rápido aquele que vai a pé (risos).
Então você era um "pé de chumbo", não é mesmo? E havia dois tipos de "pé de chumbo" - o de velocidade e o de breque. E também o tipo versátil - aquele que afundava o pé até estourar o velocímetro e, por qualquer coisa, brecava "seco".
Pena que hoje você não pode mais entrar no seu Alfa e sentir-se o "Alfa e o Ômega" do trânsito. Já pensou no tanto de multas reais e irreais que você receberia?
Hoje ficamos no "fé em Deus", porque o "pé na tábua" fica caro, muito caro.
Abração,
Natale

Luiz Saidenberg disse...

Eu gostava mesmo de velocidade, Natale. Senão, continuaria com meu primeiro Fusca, e não gostaria- como ainda gosto- de uma Alfa GTV.
E ainda continuo ágil, e rápido, embora muito mais cauteloso. Não é por nada, em 40 anos de direção jamais tive um acidente de alguma monta. Mas, como escrevi, a cidade mudou e muda, e assim tb nós. Então, é claro que jamais repetiria tal feito. Porém, o Britto que me perdõe, da dimensão em que estiver: era um caso de "noblesse oblige; não se deixa uma dama esperando...

Leonello Tesser (Nelinho) disse...

Luiz, as pessoas na calçada ao ver você e seu bólido devem ter perguntado: será o Pintacuda, o Chico Landi ou o Emerson Fitipaldi, na juventude todos nós fizemos algumas loucuras, parabéns pelo veloz texto, abraços, Nelinho.

Soninha disse...

Olá,Luiz!

Eu adoro velocidade.
Causa-me imenso prazer dirigir em alta velocidade...Hoje,os radares me freiam, senão,aceleraria um pouco.
Nas estradas ainda se pode pisar um pouquinho no acelarador,mas, nas ruas de Sampa e de quase todas as outras cidades,a industria dos radares nos pegam de jeito.
Fazer o que,né?!
Gostei de seu texto, da foto de seu Alfa e de Carol pequenina.
Valeu!
Obrigada.
Muita paz!

Luiz Saidenberg disse...

Que legal, receber seu apoio, Soninha! Tem pessoas que tem um ritmo mais rápido; assim sou eu. Sempre apressado, ansioso, com o demonio nos calcanhares. Não é legal, bem sei, mas tb não me fez mal. Tenho saúde quase férrea, com as pequenas sequelas da idade, e importante- não tive nenhuma batida, ou raspada, inevitáveis em S. Paulo, a mais de 5 km por hora. Mas, relendo o texto e pensando bem, acho que está na hora de ir com mais calma, e curtir melhor o que me resta de vida...abraços.