sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Natal um pouco triste

Nascido na Freguesia do Ó, em um berço pobre, os Natais de minha infância e adolescência não foram fartos e tão festivos.
Lembro-me dos meus Natais a partir dos meus cinco anos em diante.
Minha mãe ficou viúva e, como não recebia nenhuma aposentadoria de meu falecido pai, passou a trabalhar muito para dar de comer para mim e minhas duas irmãs, um pouco mais velhas do que eu. Era o ano de 1946.
De inicio, recebíamos de ajuda uma cesta básica dos Vicentinos, liderados na época pelo Sr. João Abrão de saudosa memória, como também uma cesta básica fornecida pela LBA - Legião Brasileira de Assistência - que garantiam essa ajuda por três meses.
Nesse tempo, minha mãe conseguiu de uma firma, na Lapa, a oportunidade de fazer um trabalho na própria casa que consistia em fazer o acabamento de palhas de aço e que, depois de prontas, deveriam ser entregues na fábrica da Rua Coriolano, na Lapa.

Eles pagavam perto de CR$ 0,20 pela grosa, que consistia em 24 palhas de aço.
Para se tirar perto de 30 cruzeiros por semana, tínhamos que montar, no mínimo, 6.000 mil palhinhas. Por não caber dentro do ônibus, dado o volume enorme dos três sacos, eram levados pela minha mãe e minhas irmãs, desde a Freguesia do Ó até a Lapa, perto de cinco quilômetros, nas costas e a pé; na volta, de ônibus, elas traziam o novo material para ser igualmente montado e depois entregues na semana seguinte.
Vivendo essa vida difícil, numa época em que não havia bolsa família e ainda em clima de carestia de pós guerra, presentes, enfeites e ceia de Natal, eram coisas para classe média ou alta.
Eu, ainda criança, não enxergava essas diferenças e, como toda criança, no Natal queria que Papai Noel também passasse na minha casa.
Como eram sofridos os Natais de minha infância! Parte dos meninos da minha vizinhança de classe média, desfilando com seus presentes, e os meninos pobres como eu, de bronca com o Papai Noel. Que para mim e muitos outros meninos do meu bairro, tava mais para o Padrasto Noel, com o devido respeito aos padrastos do meu Brasil.
Como todo menino da mesma idade, escrevia uma cartinha ao Papai Noel, colocava com um pouco de capim dentro do meu sapatinho já velhinho, furado e apertado, colocava ao lado da janela do meu quarto, que era também o quarto de minhas irmãs, pedindo um carrinho ou um revólver de brinquedo com cinturão e cartucheira, e no outro dia eu, todo feliz, corria para pegar o sapatinho e encontrava escrito no verso do meu bilhete um recado escrito pela minha irmã: Como você não foi obediente para sua mãe e suas irmãs, esse ano você não vai ganhar o seu presente.
Hoje tenho certeza que teria sido preferível um encontro com minha realidade. Uma cartinha escrita em nome de minha mãe, dizendo: Filho, somos muito pobres, mal temos para comer e viver; como sou analfabeta, pedi para sua irmã mais velha escrever esse bilhete, par
a dizer que não tenho dinheiro para te comprar presentes, mas garanto que meu amor você será por toda vida e fome você jamais passará, enquanto eu for viva. Assinado: Sua Mãe que muito te ama.
Tenho absoluta certeza que qualquer criança pobre do mundo vai preferir essa cartinha, com essa realidade, do que a ilusão de um presente seja ele qual for.
E esse foi o maior presente que minha mãe me deixou, jamais passei fome e jamais faltou amor em minha vida.

Por Arthur Miranda (tutu)

10 comentários:

Luiz Saidenberg disse...

Muito bonito, Arthur. E muito triste, como o Natal de tantas crianças pelo nosso Brasil. Mas, se vc teve comida e amor,isto foi mais que suficiente para formar uma personalidade íntegra e extraordinária. Quanto ao sapatinho na janela, uma música de Alvarenga e ranchinho adverte:
- No Natar, é preciso ter cuidado
pra não fazer o que fez o Chico Março:
pôs na janela as botina da família,
no outro dia tivéro de andar descarço!
Papai Noér, com aquele saco cheio
de presente, não consegue andar ligêro,
e com isso os ladrão de botina gerarmente consegue chegar primêro !

Ho, ho, ho ! Que agora realmente vc e os seus tenham um belo e farto Natal !

Miguel S. G. Chammas disse...

Tutu,
tenho certeza que todos esses dias de tristeza e penúria vividos por você em tenra idade, serviram para forjar o homem de caráter ilibado de hoje.
Que o Natal de hoje e os outros que, com certeza, hão de vir, sejam plenos de alegrias, envoltos em saude e rodeados pela Denise e demais parentes e amigos que, certamente estarão abraçando o amigo.
Receba, então, um abraço deste amigo, também ex palhaço
que, como você, busca tirar das lágrimas o sorriso que há melhorar e amenizar o viver dos que o rodeiam.
Feliz e Santo Natal!

Laruccia disse...

Tutu, a sra sua mãe foi uma heroina, Cobrindo de amor os filhos, trabalhando sem descanso, conseguiu formar uma pessoa tão boa e de carater digno: VOCÊ. Parabéns, Arthur.
Laruccia

Zeca disse...

Arthur,

é muito triste a história dos Natais da sua infância! Assim como a de tantas outras crianças que cresceram (ou ainda crescem, as de hoje) em meio a privações e desconforto. Acho lamentável que existam essas desigualdades, por isso, faço o que posso quando tenho oportunidade de minorar o sofrimento alheio.

De positivo em sua história, foi a heróica batalha de sua mãe, que enfrentou todas as dores da vida e não mediu esforços para criar e educar os filhos, jamais deixando que lhes faltasse, à mesa, o pão nosso de cada dia. Você e suas irmãs são privilegiados por terem tido a oportunidade de nascerem de uma mulher de fibra como ela. E por isso tudo, tenho certeza de que todos se tornaram adultos íntegros e respeitáveis.

Espero que os Natais de hoje sejam completamente diferentes, com seus familiares reunidos e juntos comemorando o nascimento de Jesus. E com alegria, partilharem além de farta mesa, os presentes que se trocam todos os anos.

A você e a todos os seus familiares, os meus votos de um Santo e Feliz Natal!

Abraço.

Unknown disse...

Arthur,sei que para uma criança é difícil entender,mas hoje você sabe, que sua mãe foi melhor presente que Deus lhe deu. Você teve uma infância sofrida, mas foi criado com muito amor.
Desejo-lhe um Natal farto e muito feliz.

Wilson Natale disse...

Arthur,de todos os meus natais o que ficou foi essa mesma certeza que também é sua: NUNCA FALTOU AMOR EM MINHA VIDA.
Embora não pareça, os tempos eram difíceis para nós. A diferença é que eu tinha avô, pai e tio que trabalhavam, uma avó que passava horas fazendo enormes colchas de crochê por encomenda e uma mãe que bordava - também por encomenda - os enxovais.
E quanto ao Papai-Noel, ou Reis, ou a Beffana,o presente mesmo que eu ganhava era um só. O resto eram roupas novas, meias, cortes de camisa. E eu, criança boa e meiga, em pensamento, dizia ao Papai-Noel todos os palavr~es que conhecia e ainda inventava alguns (risos).
Mas, um dia eu me vinguei do Papai-Noel! Dei a mim mesmo o meu sonho infantil. Dei-me um Trem Elétrico Lyonel e brinquei, me dirvertí à larga!... Eu tinha 23 anos quando o comprei.
Arthur, tenha um Natal mais que feliz, um ano mais que perfeito. E QUE JAMAIS FALTE AMOR EM SUA VIDA.
Abração,
Natale

Modesto disse...

Arthur, agradeço sua colaboração e que a tristeza desta época fique só na recordação. Que não volte mais. Te desejo um Feliz e Santo Natal.
Peço licença a vc de usar seu espaço pra dizer que tenho uma mensagem no texto meu, publicado a pouco,
"Natal de 1945" Obrigado e um abraço.
Modesto

Soninha disse...

Olá, Arthur, querido amigo!

Que vida difícil a sua e de suas família, assim como de tantos brasileiros de outrora e dos tempos contemporâneos...
Mas, esta dureza toda não tirou de você seu talento para a arte dramática e para o humor.Seu texto nos mostrou usua hist]ória de uma forma muito bonita.
Valeu, Artur!
Obrigada!
Muita paz! Feliz Natal!

Arthur Miranda disse...

Mensagem em nome do Papai Noel.
Ho!Ho!Ho!
É! Meu caro Tutu a vida é dura. Existe muita gente carente
Sem pai, sem mãe, sem parentes
tem filhos de pais ausentes,
que alem de ficar sem presentes
não tem ninguém nesse mundo.
Você na realidade ganhou
sempre os melhores presentes.
Existe coisa melhor, que o amor da família.
Entre tantas crianças nascidas na Freguesia você foi talvez o grande privilegiado.
Existe coisa melhor que ter a mãe e as irmãs presentes a seu lado.
Eu posso até ter falhado, e até algumas vezes ter te deixado de lado.
Mas o Verdadeiro Papai o Comandante do Céu, até hoje meu querido, ele jamais te esqueceu.
Deu-te até de sobra, tudo aquilo que não se compra em lojas de nossa cidade.
Deu-te saúde, alegria e também honestidade.
E com todo o seu carinho de Papai Onipotente.
Ainda deu um jeitinho de manter seu coração fazendo o seu plic, ploc.
E ainda de presente, te ofereceu como amigos os escritores do Blog.
Feliz Natal a você e a todos desse Blog.
Assinado: Papai Noel

suely schraner disse...

Como já dizia o filósofo:Aquilo que não me mata me fortalece. Seu texto tem a força dos que não perderam a sensibilidade apesar de tudo. Boas festas,Arthur!