terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Memórias de renascer

Estamos na época de Natal e vamos lembrar de um Natal especial que marcou a vida de todos os componentes dos “Duques de Piu-Piu”.

O ano era 1959, o costume dos Duques de Piu-Piu era, na Noite de Natal, fazer a “Via Sacra”, ou seja, passar pela casa de todos os Duques e às vezes de outras famílias, desejando um “Feliz e Santo Natal” e aceitando tudo que fosse de comer (o 21 se refestelava) e de beber que nos fosse oferecido.

Naquele ano o combinado era fazer a Via Sacra terminando-a na minha casa, onde fecharíamos a noite e iniciaríamos o dia num ferrenho jogo de Caxeta.

A novidade mais sensacional era que iríamos fazer a ronda motorizados. O Settanni (Toninho) havia ganhado, ao completar 18 anos, um carro. Era um Vanguard (acho que nem existe mais um carro desta marca no mundo inteiro). Era um carro europeu, redondinho e bastante enjoado para ser dirigido, precisava de muito carinho. Sua cor era Azul Bebe (aliás, acho que era a única cor em que o Vanguard era fabricado, pois não me lembro de ter visto um exemplar em outra cor).

Ora, muito bem, por volta das 20 h do dia 24, devidamente equipados com baralhos novos e fichário de madrepérolas, iniciamos nossa trajetória.

Tínhamos decidido que o Toninho, por ser o único com carteira de motorista, teria de se sacrificar durante a ronda. Beberia o mínimo possível, para salvaguardar as nossas vidas. As 23:30 h, mais ou menos, estávamos saindo da última casa visitada, que era a da Eurides, na Rua da Consolação.

Agora, iríamos direto para minha casa onde, depois da ceia, iniciaríamos a nossa noite de jogatina.

Saímos da Rua da Consolação, entramos na Rua Dom Antonio de Queiroz, cruzamos a Rua Bela Cintra, chegamos à esquina da Rua Augusta e aí paramos, com todo cuidado, esperando o semáforo permitir que entrássemos à esquerda, em direção à minha casa. O semáforo virou para o verde, o Toninho engatou a primeira e deslizamos para o meio da Rua Augusta quando, de repente, não mais que de repente, ouvimos um estrondo, um grande solavanco e zás... Quando demos conta, nosso carro havia sido abalroado por um Volvo Negro (zerinho) que descia a Augusta em direção à Rua Martins Fontes.

O carro havia nos acertado bem no meio da coluna e nos havia mandado para a calçada. Havíamos entrado de frente para a loja de materiais de construção que ficava na
quela esquina. Entramos no espaço exato que existia entre uma árvore e um poste, e parado na porta de ferro da loja.

O Vanguard havia sofrido pequenas escoriações do lado direito por causa da batida, mas não havia grande prejuízo material da nossa parte. Ferido, só estava o Dito, que sangrava um pouco na testa e foi de imediato encaminhado a um Pronto Socorro.

Do lado da parte contrária, os prejuízos materiais eram enormes. A frente do volvinho estava totalmente desmanchada e o motorista, à primeira vista, nos parecia bastante abalado (soubemos depois de algum tempo que esse abalo era alcoólico).

Iniciou-se a sessão de acusações e gritaria, até a chegada de uma viatura policial (já contei em relatos anteriores que a 4ª Delegacia era perto de minha casa e que eu conhecia a maioria dos policiais ali lotados), reconheci os policiais e fui falar com eles, exigindo de imediato que o nosso oponente fosse levado à Central, para exame de dosagem alcoólica e respondesse por nossos danos morais e materiais.

O policial amigo, me pediu calma, identificou o Toninho, fez a identificação do outro motorista e como havia uma vítima, disse que precisaria aguardar o contato com o Delegado de Plantão que, por ser Natal, tinha dado uma saidinha para comemorar junto à família.

Esperamos, esperamos, esperamos e por volta das 4 h da madrugada, um dos policiais me chamou para um canto e me disse: “quer um conselho, o garotão ali é filho de desembargador, está acusando vocês de terem atravessado no vermelho e disse que vai pedir a prisão de todos. Não acredito que tenha êxito, mas você sabe que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco...”

Bem, se é assim, o que podemos fazer? Perguntei e ele me disse, o carro de vocês está em ordem, vamos tirá-lo da calçada e assim que eu me distrair, vocês entram nele e se mandam. O play-boy não vai poder segui-los, o carro está acabado, e então, sem quem acusar nós aguardamos o delegado e vamos dizer que vocês se evadiram, sem que desse tempo de anotar a placa do carro. Foi falando e me entregou a folha da caderneta onde havia efetuado todas as anotações para depois preencher o BO.

Conselho dado, conselho aceito; saímos fora e fomos guardar o carro no estacionamento da Rua Santo Antonio. Ficamos sem ceia, sem jogo e o Toninho ficou, ainda, sem beber.

Dias depois, fiquei sabendo, pelo mesmo policial, que o boyzinho, além de perder o carro, levou tremenda carraspana do Delegado e ficou detido por embriaguez, obrigando o pai a sair de seu recesso judicial para retirá-lo da cadeia.

Hoje, os Duques de Piu-Piu remanescentes comemoram seu aniversário também nas noites da véspera de natal.

Por Miguel Chammas

6 comentários:

Wilson Natale disse...

Miquel, quase que você e seus amigos foram da Consolação ao Paraíso... E não falo dos dois bairros (risos).
Se isso tivesse acontecido nos anos 60 e vocês fossem parar na delegacia da Frei Caneca, onde o meu chará, o Wilson Ricchetti era delegado,ele mandaria descer a "borracha" no riquinho,prá ele deixar de ser folgado e também em vocês - por atrapalharem o "descanço" dele.Ahahaaaaa!
Gostei do seu texto! Com certeza foi uma véspera de Natal impagável para um grupo de adolescentes aventureiros. E, afinal, não é sempre que se recebe uma trombada no lugar de um Feliz Natal (risos)
Abração,
Natale.

MLopomo disse...

Pergunta: Só Duques? Nessa galera não tinha Duquesa de Piu-Piu?

Soninha disse...

Oie...

Além do apuro, acredito que o maior castigo foi ter ficado sem beber, né?! Ao menos para o Toninho!
Mas, a verdade é que, quando dirigimos temos de estar atentos a tudo...dirigir por nós e pelos outros motoristas....sempre tem aqueles descompromissados e desreipeitosos e os que dirigem alcoolizados ou dorgados, sem a mínima responsabilidade com a segurança alheia, nem tão pouco com a sua.
Valu!
Obrigada.
Muita paz! Beijosssssss

Luiz Saidenberg disse...

Sempre valeu a lei de quem pode mais, chora menos! E a do Vc sabe com quem está falando ? Esses caras, armados de álcool e poder, se metem impunemente nas maiores barbaridades. afinal, o pai ajeita tudo mesmo...acho que vcs fizeram bem em se mandarem, já que o dito cujo havia destroçado a máquina dele... ele mesmo se puniu! Abraços.

suely disse...

Depois da "carteirada" e de "vazarem" do local, valeu a história para contar.Gostei.

Myrtes e Modesto disse...

Dentre todos os problemas, ficam nossos votos de um Feliz 2011, onde estarão novas aventuras do Miguelão Boa Pinta. Parabéns, Miguel.
Myrtes e Modesto