quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Meu Cadillac - bip bip

"Esta é uma das histórias que aconteceram comigo. Primeiro, foi a Suzy, quando eu tinha lambreta. Depois...", depois nada. Não sei quem foi Suzy e nunca tive uma lambreta. Mas, existe sim, uma história comigo e um certo 'Cadillac'.
Bairro do 'Bixiga', meados dos anos 60, estava eu trabalhando na mercearia de meu 'tio' Jabra Chaebo - que Deus o tenha em Sua Glória -, lá na velha e saudosa rua Santo Antonio.

O comércio varejista ficava bem em frente à rua Conselheiro Ramalho e, sempre à noite, por volta das sete horas, ou antes um pouco, eu o via passar. Lentamente e com uma imponência sem igual, desfilava por entre os automóveis comuns da época, ofuscando a todos com a sua beleza e majestade.
Sim, era ele, o 'Cadillac Fleetwood' do conde Francisco Matarazzo Junior que, por vezes, fazia aquele itinerário, sempre no mesmo horário e com britânica pontualidade.
Extasiava-me em admirá-lo, mesmo que por poucos momentos e rezava para que o trânsito se congestionasse, para que tivesse mais tempo de contemplar com os olhos, aquela maravilha mecânica.
Era uma maravilha americana, com um grande motor de muitos "hp's", câmbio automático, direção hidráulica e vidros acionados eletricamente. Bancos de couro, inteiriços à frente, na cor azul, contrastando com o azul clássico metálico da carroceria e vidros verdes. Pneus aro de quinze polegadas com faixas brancas delgadas e reluzentes calotas com o brazão 'Cadillac'. No banco traseiro, podia-se notar o conforto que desfrutava o seu nobre ocupante, o próprio conde 'Chiquinho'. Ao volante, assumia a posição um motorista com austera vestimenta, quepe e luvas, que fazia o veículo rolar pelos paralelepípedos da antiga rua, onde só se percebia o roçar dos pneus com o solo, em cadência ritmada.
O tio Jabra sabia de minha paixão pelo carro e sempre me dizia:
- Quer ter um igual? Estude e trabalhe, ou, faça como o conde, herde uma fortuna!
Nisso, ele tinha razão. Pois, para se ter uma máquina como aquela, só tendo muito dinheiro. Mas, eu me contentava só em olhar.
Cer
ta noite, já dispensado de minhas obrigações na mercearia, estava eu no balcão da farmácia do Álvaro, que ficava quase em frente à mercearia e, como de costume, alí também eu prestava alguns serviços auxiliares no despachamento de fregueses ou algumas entregas em domicílio quando, eis que freia bem em frente à farmácia, o belo Cadillac.
Veio conduzido só pelo garboso motorista do conde, que estava pelas imediações resolvendo alguns assuntos pessoais e passou pela farmácia, para comprar alguns medicamentos.
Não perdi a oportunidade e comecei a inquirí-lo sobre o carro.
Queria saber tudo sobre ele e, ao mesmo tempo, eu mesmo dava as respostas às minhas perguntas.
- Acho que não preciso dizer nada sobre o carro. Voce já sabe sobre ele... - disse-me atônito o motorista que, notando a minha ansiedade e expectativa, aproximou-me da enorme máquina e passou à detalhar mais precisamente cada pedaço do veículo.
Inebriado de alegria, acompanhei cada explicação do gentil e paciente motorista, que começou a apresentação pelo painel de instrumentos. E, que painel!
Depois, foi a vez do interior, com seus bancos e carpetes, iluminação interna, volante de direção, alavanca de câmbio e o grafismo da marca, nos painéis das portas, com as maçanetas e chaves de acionamento dos vidros, cinzeiros e travas.
O 'gran finale' ficou por conta do motor que, assim que o capô foi levantado, uma vertigem ótica me tonteou. Era uma maravilha de um belo motorzão de oito cilindros e seus componentes todos bem posicionados como num trabalho de arrumação exemplar. Até o abafador do carburador que, de tão grande, parecia uma frigideira enorme, destas que por aqui usamos para fazer uma deliciosa moqueca de peixe.
O motorista admirou-se de meu conhecimento mecânico e quis saber como um garoto de minha idade já tinha tanto conhecimento mecânico.
Falei-lhe que havia tido bons professores. Um deles foi o meu tio Rafael que, muitas vezes, à porta de nossa casa, brincávamos de adivinhar as marcas, modelos, ano de fabricação, tipo de m
otor e câmbio dos carros que por ali passavam. Era uma sabatina geral. Se errasse, tomava 'cascudo'. Se acertasse, recebia parabéns.
Terminada as apresentações feitas pelo simpático motorista, assume agora o volante e, com breve aceno, despede-se e faz suave arrancada, não antes de acender toda a parafernália luminária do 'rabo de peixe', que encandeia a rua e ofusca a vista de quem olha, principalmente quando freia.
Antes, prometeu-me que viria buscar-me para dar umas voltas nas redondezas. Coisa que não aconteceu. O conde era muito ciumento de sua preciosidade. E eu, fiquei só na vontade.
Ao longe, vejo a majestosa máquina seguir o seu rumo. Cá com os meus botões, faço-me um juramento: - 'Ainda terei um Cadillac. Ah, vou ter sim...'
Passados alguns anos e já com a idade de dezoito anos, adquiri, finalmente, o meu 'Cadillac'. Não era um 'Fleetwood' como o do conde. Era um 'Eldorado', 1952, conversível, na cor branca, com bancos bicolores em azul claro e branco e capota de lona branca. O preço? Uma bagatela de Cr$ 2.000,00 - dois mil cruzeiros -, resultado de minhas economias guardadas sob o colchão.
Serviu para a curtição da minha turma de colégio e alguns namoros mais assanhados mas, tive de vender por não ter carteira de motorista e, também, por não dispor de uma garagem
.
Meu Cadillac veio bem à calhar, com a música do Roberto mas, nunca precisei levá-lo à um oficina para reparos e nunca encontrei um 'Calhambeque' para trocar.
Hoje, só tenho um Ford Landau 1980, que nada fica à dever para um Cadillac, pois o custo-benefício é mais em conta.
Além dele, tenho outros exemplares. Só que em escala menor e enfeitam a minha estante.
Quanto ao Cadillac do conde, está em mãos de um particular que o encontrou estacionado em um posto de gasolina e o adquiriu através de uma troca. Gastou alguns muitos reais para restaurá-lo e hoje desfila orgulhoso pelas ruas de São Paulo.
Do conde, todos sabemos que faleceu em 1977. Do seu impecável motorista, não tenho notícias. Espero que esteja desfrutando de uma boa aposentadoria e relembrando os bons tempos. Eu, continuo apaixonado por automóveis e espero um dia completar a minha coleção de clássicos colecionáveis e ter um Cadillac de verdade.

P.S.: A marca 'Cadillac', é uma homenagem do povo americano ao fundador de Detroit - Michigan = 'Laumet Antoine de La Mothe Cadillac'


Por Nelson Assis







7 comentários:

MLopomo disse...

Nelson. Trabalhei por muitas vezes na mansão do conde Matarazzo que era cliente da firma onde estava vinculado. Vi os carros de perto, mas nunca tive essa curiosidade que você demonstrou, e diga-se de bom gosto. Mas onde ficava o dia inteiro, ou quase era no edifício, Matarazzo prédio que esta ao lado da Galeria Prestes Maia, com a entrada pelo viaduto do chá ou Libero Badaró. Mas na garagem que ficava no Anhangabaú que ficava os carros. Eu prestava mais atenção na placa (chapa) do carro do que nele propriamente. A Placa de numero 1, 3, 4, era dos carros de propriedade do conde. Quem detinha a placa de numero 2, era um endinheirado cujo nome não me foi dito. O que me disseram foi que ele não vendia a preço algum a placa do seu carro. Mesmo diante a insistência do Conde Matarazzo.

Zeca disse...

Nelson,

não posso dizer que tenha a mesma paixão pelos automóveis - nem ao menos dirijo - mas sei reconhecer um belo, elegante, confortável e imponente automóvel! E, sem dúvida, tanto o Cadillac, quanto o Landau se encaixam perfeitamente nesses quesitos.
Em casa, quem herdou a paixão do meu pai por carros antigos foi meu irmão, que tem um Aero Willys e um Land Rover antigos, em perfeito estado, o carro para uso diário (não sei qual é agora, ele vive trocando) e, como você, uma bela coleção de miniaturas, da qual cuida pessoalmente e tem ciume doentio.
Parabéns pelo belo texto!
Abraço.

Arthur Miranda disse...

Boa lembrança Nelson, o cadillac era e é de fato um belo carro, me lembro que o Velho Baltazar (famoso cabecinha de ouro do Corinthians) tinha um 1954 - conhecido Rabo de Peixe.
Em l971 eu tive o prazer de viajar nesse confortável veiculo, o querido companheiro e patrão Zé Vasconcelos tinha um cadillac 1969.
Então íamos semanalmente ao Rio, pois na época encenávamos no Teatro Serrador no Rio de Janeiro a comedia, Esses Homens Traidores e seus Galhos Maravilhosos, era uma viagem super confortável, e o cadillac fazia essa viagem de aproximadamente 400 quilômetros em 2h: 55m, de madrugada pela Dutra com menor movimento. mais descuidada e é claro pior sinalizada que hoje em dia. O danado era mesmo um Avião e o Vasconcelos adorava ser Piloto, e eu até hoje sinto medo daquela velocidade. Parabéns por trazer de volta um pouca da historia desse CARRÂO.

Miguel S. G. Chammas disse...

Nelson meu irmão bixiguensa, tive doisamores falando-se em carros, o primeiro foi um Vanguard Axul bebe (só existiam Vanguard nessa cor)e o outgro um Chevrolet Belair Preto de oneus com banda branca.
O Vanguard, tivemos (os Duques de Piu-Piu) um e quase morremos todos numa Noite de Ano Novo no cruizamento da Rua Augusta com a Rua Da. Antonia de Queiroz. e O Belair. ai, so namorei com ele que estavba todos os dias estacionado na Rua Manoel Dutra quase squina da Rua 13 de Maio.

Soninha disse...

Olá, Nelson!

Adoro carros.
Também gosto de conhecer as histórias sobre carros. Suas informações só nos enriqueceram.
Que carrão, heim?!
Adorei o Cadillac.
O meu....bem, perto deste....meu calhambeque, bip bip...
Valeu, Nelson!
Muita paz!

Modesto disse...

Texto automobilístico em forma de sonho e realidade, Assis. Meu patrão tinha um carinho especial por carros, era muito "snob", em quinze anos que lá trabalhei, na pça. Patriarca, nunca vi o Cadilac, vc viu muito mais do que eu, passava em frente a loja do seu tio e eu trabalhava no mesmo prédio que ele. Dois andares acima.
Sua narrativa é uma joia. Parabéns.

Leonello Tesser disse...

Nelson, não tenho muita paixão por carros mas admiro as pessoas que gostam de colecionar veículos antigos, é uma mania que requer muito capital, parabéns pelo texto, abraços, Leonello Tesser (Nelinho).