sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Seu dia de sorte

Tarde quente. Ar abafado anunciando o temporal de sempre. Mais um verão escaldante. Céu azul celeste. O derradeiro dia de trabalho, enfim, as esperadas férias concentradas. Fim de ano. Desci do ônibus, no ponto final. Andei duas quadras. Ele atravessou a rua e veio na minha direção. De soslaio, notei que usava um chapéu como os de safári, enterrado na cabeça, até os olhos. Prognata. Bermuda larga, vermelha estampada e surrada. Camiseta grande , azul clara. Chinelo tipo havaianas, verde. Nas mãos uma sacola de supermercado, cheia. Foi chegando e perguntando:
- Por favor, você sabe onde fica o supermercado três amigos?
- Estou indo nesta direção. Vamos que eu te mostro.
- Você é corajosa.
- Você está me achando corajosa porque você pediu uma informação e eu respondi?
- É. Sabe que hoje em dia tem muita desgraceira por aí. É pai matando filho, filho matando pai, uns roubando e outros estuprando... Muita de maldade. Na moral, só tô falando, não quero te assustar. Eu mesmo fugi da cadeia, tá me entendendo? Tenho um carro logo ali, quer uma carona?
-Você está me dizendo que fugiu da cadeia....
- É. Do Carandiru. Peguei 27 anos. Sabe como é, cabeça quente, barbarizei. Mas você é corajosa, fala com estranhos, hein? Acha que eu ia ficar lá? Só quem já ficou é que sabe. Faz uma semana que estou de boa. De dia eu durmo, de noite fico andando. Pra não rodar. Bobeou, jacaré vira bolsa. Tomo banho na represa. Comida me dão nas lanchonetes por aqui. Sabe do que mais? Tô cansado de saber onde fica o supermercado três amigos. Você não está com medo?
Agora, chegando quase em frente de casa, pensei: “deve ser mais um louco na cidade tentando me assustar. Fazer confidências, a troco de quê?”
A rua morta. Nem mosquito à vista. Pensei em tocar na vizinha para despistar. Faltou vocação pra “amigo da onça”. Então, tentando aparentar a ma
ior calma, e me fazendo de desentendida:
- É só seguir em frente, o supermercado fica depois da avenida.
- Só mais um favor. (Abrindo a sacola e exibindo o conteúdo.) -Ganhei esses pedaços de pizza e preciso comprar um refrigerante.Tá tão calor. Você tem uns trocados pra me dar?
Até tinha, só que nesta altura não ia abrir a bolsa pra ele, ali no meio da rua.
-Vou ficar devendo, ando só com passes para a condução.
- Não tem não? Quem mora em casa tá pior do que quem mora na rua... Quer saber?
Enfiou a mão no bolso da bermuda e tirou um “bolo de notas” de R$10,00 e R$ 50,00, vi apavorada que a história da fuga era pra valer.
- Tó, pode pegar, presente pra você, ele insistia.
-Não muito obrigada, não precisa. Ao que retrucou aos gritos:
- O quê, vai recusar? Você falou comigo na boa. Foi simpática... Não posso te fazer um presente não? Pega aí!
- Claro que pode, e eu agradeço de coração, mas você está na rua e espero que aproveite bem seus dias de liberdade.
-Você mora aí?

Fui abrindo o portão de entrada da casa, coração aos pulos. Ele seguiu andando devagar, olhando pra trás. Mostrou o cabo do revolver enfiado sob a camiseta, no cós da bermuda e gritou.
- Tchau! Feliz Ano Novo! Olha, joga na loteria que hoje é seu dia de sorte!

Por Suely Schraner

Ano Novo, de novo

ENFIM CHEGOU O ANO NOVO
E A ESPERANÇA DO POVO.
DIAS MELHORES VIRÃO,
PORÉM, PRA QUEM É VIVIDO,
TORNA-SE ATÉ DIVERTIDO
VIVER ESSE DESENGANO
DURANTE TANTOS E TANTOS ANOS.

NÃO É QUE EU SEJA PESSIMISTA,
NEM QUERO ENCABEÇAR LISTA
DO MAIOR CHATO DO ANO.
MAS, É QUE A CADA ANO QUE PASSA,
OS PROBLEMAS SEMPRE AUMENTAM;
DE NADA ADIANTA MUDAR O ANO
SE NÃO MUDARMOS A CABEÇA,
E O NOSSO JEITO DE SER.
E VIVER.

SE ENTRARMOS O ANO NOVO
COM O MESMO TRISTE EGOISMO
QUE JÁ SE TORNOU UM CASTIGO,
OU ENTÃO COM A VELHA AMBIÇÃO,
TAL E QUAL SAIREMOS DO VELHO,
PODEM LEVAR A SÉRIO,
O MÁXIMO QUE TEREMOS NO PRÓXIMO ANO NOVO
SERÁ UMA TREMENDA SAUDADES DO ANO VELHO.

SE AGIRMOS DE OUTRO JEITO
TALVES ATÉ CONSIGAMOS
QUE O ANO NOVO SEJA OUTRO,

PORQUE UM ANO NOVO QUENTE

ANO NOVO DIFERENTE,
ACREDITE MINHA GENTE,
NÃO ESTÁ EM NOVO CALENDÁRIO,
NEM EM LUCROS, OU SALÁRIOS.
MAS NO FUNDO DO PARACHAU.

ESCLARECIMENTO: PARACHAU É O CORAÇÃO.
POIS QUANDO ELE PARA - TCHAU - RSRSRSRS.

FELIZ ANO NOVO A TODOS - SALVE - 2011

Por Arthur Miranda (tutu)

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Os quatro irmãos gêmeos

4 filhos gêmeos: Diana, Esmeralda, Dirceu e Estácio. Não sei quem nasceu primeiro; as mulheres são paressidíssimas entre si e os homens, ide
m porém, os dois pares (homens e mulheres) são bem diferentes, no confronto.

Nunca falei sobre estes filhos mas, tenho-os, com muito orgulho e
são uma das razões de minha vida. São meus, mesmo, não são de criação, nada. Alguns dos colegas, cronistas e contistas já os conhecem porém apenas, superficialmente.
São muito unidos, um ajuda o outro, em qualquer emergência, não se separam pra nada. Meus amigos e conhecidos são seus amigos e, as vezes, parceiros em jogos, principalmente quando eu jogava futebol. Hoje pratico só caminhadas e sinuca, com 78 anos não resta muita coisa. Na escrita eles me ajudam muito, bons companheiros, quando escrevo, mantem-se calados.

Num dado momento, notei que uma especie de ciumes começou a florescer entre eles. É voz corrente, entre meus amigos e pessoas desinteressadas, que existe diferença entre os quatro, ou melhor, conceituaram Dirceu e Estácio como superiores em relação a Diana e Esmeralda. Não que haja algum problema com relação as duas moças, são bondosas, inteligentes, cuidadosas e suportam um trabalho diário bem pesado; mesmo assim, são consideradas inferiores, o que não concordo.

Os rapazes, considerados superiores, são, igualmente inteligentes, laboriosos, bondosos e suportam um trabalho não tão penoso mas, igualmente interessados em direcionar e conduzir seus afazeres com bastante responsabilidade, expostos as intempéries mais do que as irmãs, estão sempre mais próximo de mim, residindo aí, talvez, a alcunha de superiores.

Os quatro parecem que não se importam com estas qualificações, se amam e se respeitam muito e, numa simbiose natural, lembram os personagens do romance “Os irmãos Corsos” em que, quando um se feria ou tivesse alguma alegria a festejar, o outro sentia as mesmas emoções.

Nunca vi cenas de ciumes ou inveja entre eles porém, observando
bem, notei certas reações com fatos ocorridos e que me levam a crer na existência de leves manifestações gelosas entre elas, principalmente. Pequenas ocorrências não me comovem muito, achando os fatos de natureza leve, sem maiores comprometimento.

Há poucos meses atrás, porém, a Diana teve que sofrer uma cirurgia delicada que a obrigou a umrepouso forçado e, durante esse transe, foi atendida e tratada com carinho, a Myrtes cuidando dela muito bem e sempre com minha colaboração. Os dois irmãos, Dirceu e Estácio, sempre solícitos, atendiam a tudo que fosse necessário durante a convalescênça mas, o mesmo não ocorre com a Esmeralda. Não que não ajudasse muito, prestativa e sempre pronta em qualquer esforço pra ajudar a irmã. Porém, após alguns dias, sobrecarregada com seus afazeres e, agora, com os da irmã, começou a se queixar de dores, exigindo de mim maiores cuidados. Levei-a ao médico e ele diagnosticou o início do mesmo problema da irmã, porém, sem a mesma gravidade, poderia esperar mais alguns anos sem maiores consequências. Conclui como ciumeira, simplesmente, sem dizer nada ao médico e muito menos a ela, Esmeralda.

Com os rapazes ocorre quase o mesmo. Quando a Diana foi operada, Dirceu ficou com ela no hospital e, por necessidade, foi ao banheiro, escorregou e se machucou. Tirou radiografia, não apresentou nenhuma fratura mas, mesmo assim, uma luxação dolorida, até hoje o incomoda. Estácio, da mesma forma, sempre prestimoso com o irmão, além de seus afazeres, tem que executar parte das obrigações do irmão combalido.
Aconteceu o (in)esperado, Estácio descontente com estas obrigações, num passeio matinal, sempre ao meu lado, leva um tombo e se machuca muito, impedindo de executar os seus e os afazeres do irmão por quinze dias seguidos.

Esse tempo de convalescênça terminou ontem, 28\12\10, despeço-me de todos com os mais sinceros e ardentes votos de um MARAVILHOSO ANO DE 2011. DA MYRTES E MODESTO.


Já adivinharam quem são meus quatro filhos gêmeos? Não?
São meus braços, Dir(eito)ceu e Es(querdo)tácio, membros superiores e as minhas pernas, Di(reita)ana e Es(querda)meralda, membros inferiores.

“SCUZATTI LO SCHERZO, AMICCI, BISOGNA RIDERE, UN PO”
(desculpem a brincadeira, amigos, precisamos rir, um pouco)

Por Modesto Laruccia

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Memórias velhas para um novo ano




Estamos aqui, no aguardo de um final de ciclo anual e de um novo recomeço.

O coração, mercê das ocorrências dos últimos meses, está mais apanhando do que batendo. Dentro dele, tenho certeza, já não circula o sangue, seiva da vida, mas correm salgadas lágrimas, represadas por emoções e sentimentos tantos que não consigo esquecer.
Sentado no meu cantinho preferido, fecho os olhos e busco nas lembranças afogar essa angustia. Busco imagens, casos, fatos. Em meio a um turbilhão enevoado, surge a primeira imagem; é como uma foto em branco e preto, meio amarelecida pelo tempo, vejo uma casa pintada de creme, nos quarteirões primeiros da Rua Augusta e lá, no meio de uma comemoraçã
o de rompimento de ano, distingo vultos. Firmo o olhar e começo a reconhecer os participantes; lá estão Tia Zazá, Tia Neide, minha mãe Dona Tereza, meu pai, meu gido José, minha avó Laura, meu irmão Carlinhos, meus primos irmãos Roberto e Sonia e, lógico, meu fiel companheiro, o Pom-Pom. O erguer das taças de champanhe serve como pretexto para a imagem ir se dissipando, até sumir de vez.
Outra imagem vai chegando; agora a casa é na Rua Major Diogo, as pessoas são quase todas as mesmas... Faltam meus avos e minha tia Neide que, por desígnios de Papai do Céu, já tinham nos abandonado. O ano iria nascer e era significativo; uma nova pessoinha fazia parte da reunião, minha irmã Laura Neide, que acabava de se juntar a nós, depois de um pequeno processo de adoção. A felicidade transparecia no rosto de meus pais, no meu e no de meu irmão. Tia Zaza, convidada para ser a madrinha de batismo, estava radiante de alegria.
Em sobreposição a esta imagem, outra se torna nítida. O local é o mesmo. As pessoas são as mesmas, um tanto quanto mais envelhecidas, só uma nova personagem é notada, agora é notada, Renata, a minha primeira filha e sua primeira passagem de ano. Ergo minha taça e brindo aquela vida.
A imagem desaparece e outras vão surgindo simultaneamente. Vejo a casa da Rua
das Perobas, no Jabaquara, repleta de pessoas festejando várias passagens de ano. Vejo semblantes queridos que o tempo levou pra longe.
As gotas de suor escorrendo sobre meu rosto me tiram a concentração. Caio na real e vejo que hoje, todos os semblantes revividos já não mais estão perto de mim.
Reconheço que só minha mulher e fiel escudeira, a Sonia, irá me ajudar a transpor o limiar do ano que se aproxima. Agradeço a Deus por mais essa dádiva, rezo uma pequena oração e me preparo para a travessia.
Adeus 2010. Feliz 2011!

Por Miguel Chammas

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Parabéns!




Receita para 2011

Amar o próximo como a ti mesmo.
Respeitar para ser respeitado.
Cultivar o bem em canteiros fecundos
Distribuir a colheita sem distinção


Em cada gesto, pensamento, atitude.
Em cada sonho, passo ou olhar.
Coloque o outro em seu lugar

Colabore, contribua, ajude.

Seja feliz com a felicidade dos outros
Comemore e celebre cada vitória alheia
Pois tanto o alheio como o outro não existe.
Eles são a sua extensão, eles são você.

É simples ser feliz. Basta amar a si mesmo.

Desejo que em 2011 você se ame muito.

Por Marcos Falcon

domingo, 26 de dezembro de 2010

31 de dezembro, o limiar do novo ano.

O último dia do ano para mim foi um dia muito especial desde a minha infância, 1949 quando tinha ainda 10 anos de idade. O motivo especial para ficar acordado vendo o ano mudar de unidade de milhar. No caso de 1949 para 1950, mudou a dezena de milhar. A corrida começava faltando vinte para meia noite e terminava a meia noite em ponto, saída e chegada à Rua Conceição, (mais tarde Casper Libero) em frente ao prédio de A Gazeta.
Quando os ponteiros estavam juntinhos mostrando que era meia noite, alguns fogos eram soltos e eles vinham da cidade que, pelo fato de não haver tantas edificações, dos bairros mais próximos se ouvia o barulho dos fogos de artifício, saudando o novo ano. Mas, o costume de fazer barulho vinha de outra maneira; a maioria dos postes da Light eram de ferro e muita gente batia com martelo ou barra de ferro nos postes, fazendo barulho por vários minutos, era legal e, principalmente, a garotada se divertia muito.
Em 1958, aos 18 anos, eu já tinha o direito de ficar na rua até mais tarde, de acordo com as regras da época. Sendo assim, às 20 horas eu já estava no Anhangabaú, dando os primeiros passos do último dia do ano, pelo centro da cidade que seria por muito tempo a passarela dos meus passos. Girava todo aquele enorme quadrilátero do “centro novo” onde tinham vários cinemas, do Marrocos até o República, muitas lanchonetes, restaurantes, da Salada Paulista, Kibelandia e Um Dois feijão com Arroz. Tinha também antros de perdição; era só seguir a direita pela Av. Ipiranga ,e poucos quarteirões depois, estava a boca do Lixo, era caminhar e “ser feliz”.
Às 23h30min eu já me programava para assistir a passagem dos corredo
res da São Silvestre. Meu local preferido era na esquina da Avenida São João com a Ipiranga, meu lugarzinho cativo era a parede do City Bank, que naquele ano de 1958, o primeiro corredor a passar foi o Argentino Osvaldo Suares, que nos dois anos seguintes seria novamente ele passando em primeiro.
Nesse mesmo ano entrei na congregação Mariana, uma instituição da igreja católica que tinha um belo time de futebol. Ao final do ano todas as congregações tinham que enviar rapazes para ficar na igreja de Santa Ifigênia porque, segundo eles (da igreja), o sacrário não podia ficar a sós. E nossa instituição tinha o dia 31 de todos os meses como data fixa; em dezembro estávamos lá a partir das 22 horas para tomar aquele café reforçado, com leite pão e biscoitos para aguentar a noite toda. Cada grupo tinha que ficar durante uma hora, e seria substituído por outro grupo. Meu horário era da uma às duas da madrugada. Na noite de dezembro, ficávamos na janela para ver o barulho do evento pelo menos.
Mas o ano que mais marcou a corrida de São Silvestre foi em 1964, quando um corredor indígena ia participar. Não me lembro do nome dele, mas sei que ele correu descalço, não me lembro de sua colocação, mas ele passou por lá, que era poucos metros antes da chegada. Enquanto não passava o indígena e já tinha passado o vencedor Gaston Roelants da Bélgica, um corredor Alemão pisava no trilho do bonde e torcia o pé, se ele chegou até o final não sei, mas manquitolando ele passou por nós, que batíamos palmas. Nesse dia encontrei com uma amiga, que foi minha companheira do último dia daquele ano (1964), como todos gostavam daquele local para ver a corrida.
A parede do City Bank era muito requisitada, e ela queria ir a outro lugar porque não estava enxergando bem. Falei pra ela, fica fria, vou fazer escadinha e você se agarra no vitrô do banco. Ela ficou brava e já foi dizendo: e você acha que vou ficar dependurada no vitrô? - Que nada menina, é só para você ficar na altura do meu ombro, dai você senta nele e, assim foi, além de assistir a corrida meu ombro serviu de carona. Meu pescoço de suporte.
A corrida de São Silvestre era a referência do último dia do ano. Depois da corrida, ia eu de volta ao Anhangabaú, até em baixo do viaduto do chá, para ver se alguém havia se atirado lá de cima, pois sempre tinha um corpo estirado ao chão. Até fotógrafo de jornal, que dava preferência a notícia policial, ficava de plantão. A imagem de corpos ali, sempre no sentido de quem ia para zona sul, foi vista algumas vezes.
Eram pessoas que não tinham tido um bom ano ou uma decepção amorosa, ficav
am ali jaz, esperando a policia técnic,a que geralmente demorava. Não me lembro bem o ano, mas uma dessas imagens ficou gravada na minha memória, foi o de uma moça bonita, de vestido e sapato branco. E as indagações dos muitos curiosos, em burburinhos: O que será que passou pela cabeça dela?
Essa caminhada anual foi até 1968, porque no ano seguinte uma moça de nome Marieta falou pra mim: Quer casar comigo? Pensei bem e raciocinei, não poso perder essa chance, pode ser a última. Aceitei e com essa namorada estou desde 1966, até hoje. Haja paciência!

Por Mário Lopomo

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Mensagem em nome do Papai Noel


Comentário de Tutu no texto "Natal um pouco triste", que vale ser postado como texto, especialmente nesta ocasião do Natal!


Ho!Ho!Ho!
É! Meu caro Tutu a vida é dura. Existe muita gente carente

Sem pai, sem mãe, sem parentes
tem filhos de pais ausentes,
que alem de ficar sem presentes
não tem ninguém nesse mundo.
Você na realidade ganhou
sempre os melhores presentes.
Existe coisa melhor, que o amor da família.
Entre tantas crianças nascidas na Freguesia você foi talvez o grande privilegiado.
Existe coisa melhor que ter a mãe e as irmãs presentes a seu lado.
Eu posso até ter falhado, e até algumas vezes ter te deixado de lado.
Mas o Verdadeiro Papai o Comandante do Céu, até hoje meu querido, ele jamais te esqueceu.
Deu-te até de sobra, tudo aquilo que não se compra em lojas de nossa cidade.
Deu-te saúde, alegria e também honestidade.
E com todo o seu carinho de Papai Onipotente.
Ainda deu um jeitinho de manter seu coração fazendo o seu plic, ploc.
E ainda de presente, te ofereceu como amigos os escritores do Blog.
Feliz Natal a você e a todos desse Blog.
Assinado: Papai Noel

Por Arthur Miranda

Através da vidraça




Ela era linda. Mais que isto: era uma visão etérea, espectral, quando pousava as sandálias naquele andar. De onde vinha? De outra divisão da firma, ele não sabia qual. Mais parecia vir de outro mundo.
Nem o que vinha fazer ali, falar com quem. Flutuava pelos corredores, parecendo dissolver-se no complexo de salas.
Linda e estranha. Morena, mas com a tez muito pálida, uma expressão esgazeada nos grandes olhos escuros, a longa cabeleira negra encaracolada. Vestia-se sempre de branco; trajes meio desconjuntados que lembravam mais anáguas, peças íntimas. Como uma ialorixá que tivesse perdido sua fé, uma noiva de um casamento desmanchado.
Ou, melhor ainda, um fantasma, uma lady inglesa fugida de seu castelo, de um conto de Poe. Meio hippie, meio louca, meio alucinação.
Como um reflexo fugidio numa vidraça, passava sem ver, nem falar com ninguém. Nunca olhava, nem para ele, nem para ninguém mais. Todos, para ela, pareciam também serem transparentes. Um mundo de vidro e ilusão. O mundo da vidraça, em que ela se isolava.
Por alguns anos foi assim, impalpável, preservando seu mistério em silêncio. Com que voz falaria, que língua? A dos anjos, talvez.

Mas, todas as coisas mudam. A grande firma fora vendida, mudara-se de prédio e bairro. Da Rua General Jardim, Vila Buarque, para a Vila Olímpia. Muita gente foi demitida, ou saiu espontaneamente. Os sobreviventes se encararam, sobressaltados, e procuraram ficar mais unidos para enfrentar a hostilidade da nova situação.
Assim, aquela bela forma de outra dimensão pareceu ligar-se mais à Terra e a seus habitantes. Ela passou a cumprimentá-lo, geralmente no elevador, e trocar algumas palavras. Até mesmo a sombra de um sorriso surgiu naqueles lábios.
Ele não lembrava como os fatos se encadearam, mas, muito bem da culminância. Sem dúvida, houve crescente intimidade, ou nada teria ocorrido. Mas aconteceu. Ela estava em seu andar e, como sempre, de passagem. Viu-a numa sala fechada, através de uma vidraça. Aproximou-se do vidro e ela também.
Então, como se tivessem ensaiado um século, ambos os lábios se colaram à vidraça.
Um beijo louco, selvagem, de quase derreter em areia líquida a fina lâmina de vidro.
Durou uns instantes; depois se afastaram, talvez embaraçados. E sua história terminou assim. Tentou quebrar a vidraça, o gelo, convidando-a a tomar algo. Não. Não podia. Nunca pôde.
O beijo continuou impresso, ardentemente nas duas faces da vidraça. Permaneceu lá, mesmo quando esta foi retirada. E com ela, a parede. E todas as paredes. Tudo mudava novamente, a firma trocava de nome, de pessoas.
Os dois nunca mais se viram. Mas, a aura vibrante do beijo continuou frustrada, a latejar no mesmo ponto. A esperar, talvez, que os parceiros voltassem ali algum dia. E repetissem o ato.
Desta vez, sem vidraça.

Por Luiz Saidenberg

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Lembranças de Natais

Dezembro... Época que nos faz reportar aos idos de nossa infância, quando aguardávamos, ansiosos, a chegada de Papai Noel, mal compreendido por nós, crianças mas, sem deixar de ser uma verdadeira festa a espera por ele. Sim, com a espera nos divertíamos mais.
Desconfiados do velho Noel, espreitávamos os adultos, argutos em esconder os presentes da garotada.
Lembro-me que eu esperava meu amado pai voltar do trabalho e verificar se carregava algum pacote.

Morávamos na Rua Umuarama, na Vila Prudente, no penúltimo quarteirão antes de chegar à Rua Oratório. Da calçada, vigiávamos os ônibus que passavam pela Rua Oratório e, pela cor, sabíamos se era a linha que papai costumava usar. Ficávamos ali, por horas, aguardando a chegada de meu querido pai. Claro que ele vinha sem nada nas mãos, para nossa decepção. Tinha um esquema de guardar os presentes na casa de minha avó que morava na Rua Angelina Téchio Cidro, uma travessa da Rua Umuarama. Não sei como faziam, mas, era lá que os mimos eram escondidos e guardados, até o grande dia. Dia de Natal ou véspera, quando minha mãe e pai, após termos ido para a cama e já adormecidos, exaustos pela comilança e pelas brincadeiras, ajeitavam tudo sob a árvore enfeitada com as bolas vermelhas e algodão, imitando neve, acrescida do pisca-pisca colorido. Nós já havíamos colocado capim e água fresca para as renas, além de petiscos para Papai Noel. Pela manhã, bem cedinho, meus irmãos e eu acordávamos e íamos direto para a sala e era aquela alegria e exaltação ao vermos nossos presentes, cuidadosamente colocados e, também, com os doces e balas que nem havíamos pedido. Eu até chorava de emoção.
Hoje sei que Papai Noel não era injusto. Apenas fazia aquilo que ele podia para que pudéssemos ter nossos presentes de Natal.
Meu querido Papai Noel, meu pai amado, onde você estiver, aí no céu, que Jesus o abençoe. Obrigada por tudo.

Por Sonia Astrauskas

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O primeiro Natal paulistano

Sábado, noite chuvosa, temperatura amena em São Paulo. Lanche frugal, sala de jantar, todos conversando. O tema era o Natal, cuja ceia é realizada em casa.

De repente, a netinha (cinco anos), exclama:
- Vô, conta a história do Natal de quando você era pequeno!

Silêncio. Apenas o leve e suave som da chuva caindo; fecho levemente as pálpebras e minha mente retroage à longínqua década dos anos cinquenta.

Recém-chegados a São Paulo, onde iríamos morar nos próximos anos, ficamos acom

odados na casa da irmã de meu pai, aqui no bairro de Santo Amaro, onde passamos o primeiro Natal paulistano.

Na sala, uma pequena árvore de Natal com uns arranjos, destacando-se os Reis Magos e o menino Jesus na Manjedoura. Meus primos perguntando:
- O que vocês (irmãos) pediram para o Papai Noel?


Meu irmão:
- Pedi uma cartucheira com dois revólveres e o Cideme pediu um patinete.


Eles nos orientaram para deixarmos os sapatos debaixo da árvore Natalina que o Papai Noel deixaria os presentes lá. Papai Noel? Sim! Acreditávamos!

Na manhã do dia de Natal, fomos correndo à sala e não vimos os nossos presentes, mas dentro dos sapatos havia uma nota de quinhentos cruzeiros, uma para mim e outra para meu irmão.

- Pai. Veja! Papai Noel deixou dinheiro para nós ao invés dos presentes que pedimos.

Meu pai explicou que o Papai Noel não teve tempo de comprar e, por isso, deixou dinheiro para nós, o que daria para comprar um monte de brinquedos.

Se desiludidos ficamos, não me recordo; lembro-me que meu irmão ficou meio ressabiado, mas aceitamos e vimos que nossos primos ganharam o que pediram; o que, não me recordo, mas estavam todos felizes.


Nossas mães e avó, preparando o almoço de Natal e nós, no quintal brincando, com as notas de cruzeiros na mão, sacudindo-as para exibir aos primos, e alegres, sonhando com os brinquedos que tal dinheiro nos propiciaria comprar.

Recordo-me que os guardamos numa pequena caixa de papelão junto com outros objetos de "valor" que tínhamos e sempre olhávamos para ver o valioso tesouro.

A alegria durou pouco, pois um dia, ao abrirmos a caixa de papelão e a revirarmos, vimos que as notas haviam desaparecido. Foi um reboliço e choradeira total; ninguém sabia e não dizia nada.

Meu pai, que estava tratando da aquisição do Empório - Casarão - para o qual iríamos mudar, chegou à noite e logo o abordamos informando do desaparecimento. Ele, ficou pensativo e com um ar bem indagativo, disse:
- Será que não entrou um ladrão e as roubou?

O ano terminou e logo para o Casarão mudamos, até que um belo dia meu pai confessou que havia pegado as notas, pois precisava ajudar a pagar a compra do Casarão, e para surpresa nossa, mandou-nos ir à sala e lá vimos: a cartucheira com dois revólveres de brinquedo e o patinete, cuja cor era azul. Foi uma das maiores alegrias de nossa infância.

Muitos anos depois, recordando o fato e com nossos pais já na morada eterna, lágrimas de saudades aos olhos afloraram.

Foi o Natal mais marcante e, talvez, o mais belo de nossa efêmera infância que há muito os ventos dos tempos já levaram.

Por Asciudeme Joubert

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Memórias de renascer

Estamos na época de Natal e vamos lembrar de um Natal especial que marcou a vida de todos os componentes dos “Duques de Piu-Piu”.

O ano era 1959, o costume dos Duques de Piu-Piu era, na Noite de Natal, fazer a “Via Sacra”, ou seja, passar pela casa de todos os Duques e às vezes de outras famílias, desejando um “Feliz e Santo Natal” e aceitando tudo que fosse de comer (o 21 se refestelava) e de beber que nos fosse oferecido.

Naquele ano o combinado era fazer a Via Sacra terminando-a na minha casa, onde fecharíamos a noite e iniciaríamos o dia num ferrenho jogo de Caxeta.

A novidade mais sensacional era que iríamos fazer a ronda motorizados. O Settanni (Toninho) havia ganhado, ao completar 18 anos, um carro. Era um Vanguard (acho que nem existe mais um carro desta marca no mundo inteiro). Era um carro europeu, redondinho e bastante enjoado para ser dirigido, precisava de muito carinho. Sua cor era Azul Bebe (aliás, acho que era a única cor em que o Vanguard era fabricado, pois não me lembro de ter visto um exemplar em outra cor).

Ora, muito bem, por volta das 20 h do dia 24, devidamente equipados com baralhos novos e fichário de madrepérolas, iniciamos nossa trajetória.

Tínhamos decidido que o Toninho, por ser o único com carteira de motorista, teria de se sacrificar durante a ronda. Beberia o mínimo possível, para salvaguardar as nossas vidas. As 23:30 h, mais ou menos, estávamos saindo da última casa visitada, que era a da Eurides, na Rua da Consolação.

Agora, iríamos direto para minha casa onde, depois da ceia, iniciaríamos a nossa noite de jogatina.

Saímos da Rua da Consolação, entramos na Rua Dom Antonio de Queiroz, cruzamos a Rua Bela Cintra, chegamos à esquina da Rua Augusta e aí paramos, com todo cuidado, esperando o semáforo permitir que entrássemos à esquerda, em direção à minha casa. O semáforo virou para o verde, o Toninho engatou a primeira e deslizamos para o meio da Rua Augusta quando, de repente, não mais que de repente, ouvimos um estrondo, um grande solavanco e zás... Quando demos conta, nosso carro havia sido abalroado por um Volvo Negro (zerinho) que descia a Augusta em direção à Rua Martins Fontes.

O carro havia nos acertado bem no meio da coluna e nos havia mandado para a calçada. Havíamos entrado de frente para a loja de materiais de construção que ficava na
quela esquina. Entramos no espaço exato que existia entre uma árvore e um poste, e parado na porta de ferro da loja.

O Vanguard havia sofrido pequenas escoriações do lado direito por causa da batida, mas não havia grande prejuízo material da nossa parte. Ferido, só estava o Dito, que sangrava um pouco na testa e foi de imediato encaminhado a um Pronto Socorro.

Do lado da parte contrária, os prejuízos materiais eram enormes. A frente do volvinho estava totalmente desmanchada e o motorista, à primeira vista, nos parecia bastante abalado (soubemos depois de algum tempo que esse abalo era alcoólico).

Iniciou-se a sessão de acusações e gritaria, até a chegada de uma viatura policial (já contei em relatos anteriores que a 4ª Delegacia era perto de minha casa e que eu conhecia a maioria dos policiais ali lotados), reconheci os policiais e fui falar com eles, exigindo de imediato que o nosso oponente fosse levado à Central, para exame de dosagem alcoólica e respondesse por nossos danos morais e materiais.

O policial amigo, me pediu calma, identificou o Toninho, fez a identificação do outro motorista e como havia uma vítima, disse que precisaria aguardar o contato com o Delegado de Plantão que, por ser Natal, tinha dado uma saidinha para comemorar junto à família.

Esperamos, esperamos, esperamos e por volta das 4 h da madrugada, um dos policiais me chamou para um canto e me disse: “quer um conselho, o garotão ali é filho de desembargador, está acusando vocês de terem atravessado no vermelho e disse que vai pedir a prisão de todos. Não acredito que tenha êxito, mas você sabe que a corda sempre arrebenta do lado mais fraco...”

Bem, se é assim, o que podemos fazer? Perguntei e ele me disse, o carro de vocês está em ordem, vamos tirá-lo da calçada e assim que eu me distrair, vocês entram nele e se mandam. O play-boy não vai poder segui-los, o carro está acabado, e então, sem quem acusar nós aguardamos o delegado e vamos dizer que vocês se evadiram, sem que desse tempo de anotar a placa do carro. Foi falando e me entregou a folha da caderneta onde havia efetuado todas as anotações para depois preencher o BO.

Conselho dado, conselho aceito; saímos fora e fomos guardar o carro no estacionamento da Rua Santo Antonio. Ficamos sem ceia, sem jogo e o Toninho ficou, ainda, sem beber.

Dias depois, fiquei sabendo, pelo mesmo policial, que o boyzinho, além de perder o carro, levou tremenda carraspana do Delegado e ficou detido por embriaguez, obrigando o pai a sair de seu recesso judicial para retirá-lo da cadeia.

Hoje, os Duques de Piu-Piu remanescentes comemoram seu aniversário também nas noites da véspera de natal.

Por Miguel Chammas

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mensagem de Natal e Fim de Ano

Dor, no ardor do impor
o que, no fervor, com amor,
tem que se expôr
na vós do cantor, sem rancor.

Já ouvi muitas pessoas dizerem: prefiro passar o Natal ou o Final do Ano com amigos do que com parentes. Com parentes é sempre aquelas aborrecidas queixas de doenças, problemas com filhos, com trabalho, com dinheiro enfim, tudo daquilo que tem participação íntima, por questões óbvias. Esta super valorização da amizade, em detrimento ao relacionamento familiar, tem um ponto comum no conceito que, normal e instintivamente, fazemos de nossas amizades e de parentes: Na intimidade do relacionamento com parentes, conhecem-se, praticamente, sobre quase tudo, sem segredos, sem muito que esconder, não havendo resquícios de melindres ao segredar intimidades ou particularidades, ao parente próximo, pois, no subconsciente e instintivamente, se elege este parente partícipe do segredo e corresponsável pelo que pode advir do mesmo, de bom ou de ruim. Conhecem-se, portanto, íntima e detalhadamente sobre tudo.
Com amigos, esse conhecimento esbarra nas limitações impostas pela própria amizade; não é de grande valia que um amigo tome conhecimento de certas particularidades ou intimidades, a fim de não expor fraquezas e desvios que caracterizam uma família ou um membro da mesma. Por não partilhar do mesmo
teto, da liberdade que um parente, independente do grau, tem, é mais cômodo lidar com amizades, com certa liberalidade dos fatos, nas questões financeiras, sobre filhos e, até com um pouco mais de liberdade, sobre parentes.
Estas conclusões são sempre tomadas, tendo por base, amizades e famílias tradicionais e normais. Em casos excepcionais, a conclusão pode ser outra, porém, sem grandes diferenças. Isto posto, fica a pergunta: Com quem passar as festas de fim de ano?
Com a família, evidentemente. Por que? Por que é a melhor escolha? Por respeito aos ascendentes ou descendentes? Por ter que gostar mais de um parente do que um amigo? Nada disso. O simpatizar, gostar, ou mesmo, amar uma pessoa ou não, independe de ser parente ou não; essa emoção é inata e ela se forma, surge e se manifesta de forma incontrolada, no âmago de uma espontaneidade, que é um mistério na natureza humana. É muito comum ouvir-se de alguém a expressão: “não sei por que, mas, não gosto desse cara ou dessa pessoa” ou, “não sei por que, mas, gostei desse ou dessa pessoa”. A subjetividade desse comportamento se encontra na química, na reação de todos os cinco sentidos que, harmoniosamente amalgamado, resultam um bem ou um mal estar, inexplicável na pessoa. São os chamados impulsos básicos.
Partindo dessa análise superficial, chega-se a conclusão de que é melhor passar as festas de fim de ano com a família porque essa oferece total identificação com a pessoa, onde seu destaque na sociedade, negativo ou positivo, é perfeitamente compreendido e aceitável, motivo de orgulho, se for positivo e tristeza, se negativo, porém, nunca rejeitado, seja qual for o grau de evidência que o fator apresentar. Na mesma situação, um amigo mesmo sendo bem íntimo, não tem nenhuma obrigação ou simplesmente, nada que o obrigue a manter uma sólida amizade, se
o destaque for negativo. Essa dúvida pode existir na mente de um parente, mas, nunca romper definitivamente o grau de parentesco.
Isto posto, desejo ardentemente que os festejos de um Santo Natal e de Fim de Ano, sejam repletos de harmonia, saúde, bem estar, com a sagrada benção de Deus e a mais perfeita tolerância mútua, numa inequívoca e completa abstinência de críticas, dando lugar apenas às palavras doces, amáveis, compreensivas, proferidas e ensejadas com muito, muito, muito, muito, muito
AMOR
São os propósitos, direcionados a vocês, com muita ênfase, numa quase exigência de que façam de suas vidas um exemplo digno para todos seus parentes e amigos.

Myrtes e Modesto Laruccia

O Natal que deixei de acreditar em Papai Noel

Eu queria uma casinha de boneca... Como queria! Passava ali, na Sears, para vê-la, em sua glória de telhados vermelhos, janelinhas com floreiras, terracinho e portas que abriam e fechavam. Não existia, no mundo todo, uma casinha mais linda.

Escrevi ao Papai Noel, explicando bem porque eu merecia ganhar aquela beleza: Tomaria bem conta da casinha, seria a menina mais feliz do mundo, tinha boas notas (mas não mencionei a matemática), dividiria os brinquedos com o meu irmãozinho Beto. Coloquei a carta em cima da mesinha, para o meu pai colocar no correio para o Papai Noel. E fiquei esperando o Natal.

“A carta foi, pai?” eu perguntava todo o dia. Meu pai trabalhava na Rua 24 de Maio, num registro de Imóveis. Eu achava que ele havia levado a carta ao correio central, onde na minha imaginação havia uma caixa especial para ser levada ao Pólo Norte. Na véspera do Natal, fazíamos uma ceia muito bonita aos meus olhos de criança, a toalha era sempre especial.

Os comes e bebes eram diferentes de tudo o que comíamos no resto do ano: nozes, para serem quebradas com martelinho, avelãs que todos desistiam de comer por pularem para o chão, maionese, frango, uma raridade em nossa casa, só visto no Natal. E o panetone, que ainda é nossa tradição, claro, não podia faltar.

O cheiro de panetone me leva direto para aqueles anos e aquelas mesas fartas da minha família. Primeiro íamos à igreja, depois a Ceia era servida e íamos cedo para a cama para chegar logo a manhã de Natal. Só que, neste ano, as coisas foram dife
rentes. No silêncio do meu quarto, no meio da noite, ouvi passos descendo a escada. Papai Noel? Não tive dúvidas e me escondi atrás da porta para poder em seguida sair dali e descer as escadas atrás dele.

Fui bem devagarinho, as escadas de pedra não faziam ruído. A escada estava às escuras e dali podia ver a árvore de Natal e alguém atrás dela, abrindo uma caixa. Encolhi-me no meu cantinho e ali fiquei, sentindo uma emoção enorme de poder, sem dúvida, ver Papai Noel.
Alguém abriu a caixa e dali tirou várias coisas. Não podia ver o que era. Havia, porém, uma luzinha vinda da cozinha que sem dúvida Papai Noel acendera para poder ver o que estava fazendo. Mas o que ele estava fazendo?

Fiquei ali, morrendo de sono, mas vi tudo. Como o Papai Noel, de pijama listradinho, juntou as paredes da minha casinha, lendo, à luz de uma lanterna, às instruções. Como ele colocou o telhado, com dificuldade, sem querer fazer barulho. Como ele arranjou a casinha embaixo da árvore, prontinha. Levou muito tempo, acho que ele só não desistiu e foi embora para o Pólo Norte porque não era Papai Noel nenhum, era o meu papai.

Corri para o quarto. Papai Noel não existe. Meu pai colocou a casinha embaixo da árvore. Papai Noel não veio de trenó do Pólo Norte pela janela e trouxe a casinha que eu pedi a
ele. Foi meu pai. E senti uma onda de amor pelo pai que eu tinha e ainda tenho, que do seu salário tão pequeno comprou aquela casinha de boneca, a mais linda da Sears. E ainda por cima passou todo aquele tempo acordado para deixá-la prontinha para mim.

Dia de Natal. Que festa! Tínhamos poucos pacotes, mas era tanta alegria. Tudo muito simples, mas que alegria! A casinha era a coisa mais linda do mundo mesmo, e com ela brinquei por muitos anos, até que ficou bem velhinha e foi para o céu das casinhas.

Abracei meu pai com mais força naquele Natal.

Por Lygia Martins de Souza